Estamos no auge do trabalho de despolitização começado no tempo da ditadura e complementado pelo pensamento único hegemônico na grande mídia nacional e internacional depois do fim do socialismo real e da queda do Muro de Berlim. A área ficou livre. “Tá tudo dominado”. Trabalho que varreu do mapa valores civilizatórios e instaurou o individualismo como valor maior.
Trabalho que incidiu com mais vigor nas gerações mais novas, em especial as oriundas da chamada classe média, que não dão um vintém para bandeiras progressistas e democráticas, ao contrário. O binômio liberdade/ igualdade, pedras basilares da democracia, conforme atesta Norberto Bobbio, não significa nada para alguém que conhece o mundo via meios disponíveis como jornal, noticiário de TV, rádio e, em especial, videogame. Eu não conheço o mundo de videogame, porem, arrisco a dizer que o objetivo da maioria dos modos de ganhar pontos neles é através da aquisição de mais poder não importa com que meios. Aqui não estou falando apenas daquele tipo de videogame onde um ladrão de carros é o herói e para atingir seus objetivos vale atropelar velhinhos e o que tiver pela frente. Mesmo os mais infantilizados, me parece, que tem esta levada. Corrijam-me se estiver enganado.
Alguns dirão: No seu tempo os “heróis” do cinema e das historias em quadrinhos, antecessores do videogame, matavam índios, mexicanos e vilões asiáticos. Heróis feitos sob medida para os tempos de guerra fria. Nada politicamente correto. E é verdade. Pelo menos até o advento da revolução de costumes de 68 que significou uma virada em relação aos valores vigentes até então. No bojo dela surgiu, para o bem e para o mal, o jovem como portador de novos valores. Disso resultou uma herança que todos partilhamos. Herança positiva e negativa como bem aponta Zuenir Ventura ao incluir, queiram ou não, o uso de drogas como parte deste legado.
Parte desta herança, a relacionada aos costumes, foi assimilada até pelo status quo. A herança relativa ao questionamento dos valores políticos anti status quo foi alvo do ataque sistemático e repressão pesada nos tempos da ditadura. Restou disso um jovem classe média pró status quo como nunca antes visto. Estou apontando aqui o surgimento de tipos como o Kataguiri que, ancorado nos “altos ensinamentos” do Olavo de Carvalho, constituem a tropa de choque de movimentos em defesa dos valores e privilégios da Casa Grande de um modo tão surpreendente quanto assustador se pensarmos que estamos em pleno século XXI e eles propugnam um retorno ao século XX XIX (Estado mínimo, flexibilidade nas legislações trabalhista e/ou terceirização, resistência a todo avanço social, econômico e político das camadas mais desfavorecidas, privatização total, menos impostos) com toda a sorte de barbárie e retrocesso civilizatório ai implicado.
No fundo o que está em jogo nem é Dilma, Lula ou o PT. O que esta gente abomina, como bem aponta Jacques Rancière no seu belo livro O Ódio a Democracia, é a democracia. A democracia que , como diz Rancière, por possibilitar o “governo de qualquer um”, está fadada ao ódio infindável de todos aqueles que tem de apresentar títulos para o governo dos homens: nascimento, riqueza ou ciências. Os mais radicais deste movimento contra o “governo de qualquer um” apenas expressam publicamente o que os seus “companheiros de trincheira” pensam reservadamente. É um comportamento igual ao racismo enrustido que todos sabemos existir desde sempre em nossa sociedade com legado escravocrata muito forte
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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor