Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O pau que bate em Francisco…

No final dos anos 1990, quando a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), capitaneada pelos EUA, conduziu as chamadas ações humanitárias, com bombardeios e fornecimento de armas para os nacionalistas que buscavam sua libertação da federação sérvia, a opinião pública internacional foi igualmente bombardeada pelas informações e imagens dos massacres perpetrados contra minorias de croatas, bósnios e montenegrinos. Quando a intervenção militar-humanitária efetivamente ocorreu, estava mais do que sancionada pela opinião pública internacional, amplamente abastecida pelo complexo midiático ocidental. É curioso notar que, à época, e ainda hoje, pouco destaque mereceram os massacres perpetrados contra os sérvios nos locais onde constituíam minoria.

Nos primeiros meses deste ano, novamente a opinião pública internacional foi acossada em seu imaginário pela ideia da chamada Primavera Árabe e da reação raivosa dos ditadores do Magrebe e do Oriente Médio contra as revoltas populares. Notícias de massacres praticados por Muamar Kadafi contra o seu próprio povo invadiram o noticiário, seguindo a mesma lógica da guerra iugoslava. O Conselho de Segurança da ONU foi célere em aprovar uma resolução que permitiu a intervenção das mesmas potências que se dispuseram a salvar os curdos no Iraque, os bósnios na antiga Iugoslávia e agora os líbios.

No Brasil, pautada pelas agências de notícia anglo-saxônicas, a mídia fez coro com aqueles que exigiam a intervenção e criticou a postura do Itamaraty, que se absteve de votar a favor da resolução. As críticas à postura da chancelaria brasileira claramente voltavam-se muito mais às questões de política doméstica do que realmente à política internacional.

Indignação seletiva

O fato é que, a partir do início da intervenção estrangeira na Líbia a favor dos rebeldes, um fenômeno absolutamente ignorado por aqui começou a verificar-se naquele país: o massacre de negros líbios, e também de negros refugiados políticos e econômicos de países como Chade, Eritreia e Sudão, pelas forças revoltosas apoiadas pelas potências ocidentais, em cidades como Benghazi e Misrata. Apoiados pelo discurso difundido pelo ministro de Defesa britânico Liam Fox, pela porta-voz da Otan, Oana Longescu, e pela Al-Jazira, de que Kadafi havia contratado um exército de mercenários negros, sua única garantia de manutenção do poder, os rebeldes começaram a caçar e linchar tantos quantos africanos subsaarianos lhes caíssem nas mãos.

A situação atingiu tamanha gravidade que até as publicações conservadoras The Economiste The Wall Street Journal registraram em reportagens a ocorrência dos massacres, ainda que sem muito alarde. Na mídia brasileira: silêncio.

Mais uma vez fica claro que a indignação e os sentimentos humanitários são seletivos e atendem a interesses muitas vezes inconfessáveis. Que o digam as populações massacradas no Curdistão turco, em Darfur, em Ruanda ou em Mianmar.

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[Márcio Sampaio de Castro é jornalista]