Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O poder de um locutor

Só a TV Globo transmitiu ao vivo o jogo entre São Paulo e Quilmes. Os ouvintes do rádio – em número menor aos da TV, certamente – não puderam ver a cena. Os presentes ao estádio tampouco tiveram acesso momentâneo ao replay, e dificilmente escutaram as palavras dirigidas a Grafite. Os jogadores só se pronunciaram após o fim do primeiro tempo. Nenhum comentário, portanto, teve primazia sobre as palavras de Galvão Bueno. Tudo o que veio depois pode ser considerado conseqüência de sua fala inicial.

No calor da hora, sem o benefício da reflexão, dirigindo-se a milhares de pessoas, Galvão Bueno foi o primeiro a expressar publicamente sua indignação com a atitude de Desábato. Não fossem suas palavras, é provável que a história tivesse passado despercebida, como tantas outras.

E o fato não é novo no Brasil. Há várias décadas em atividade, o principal narrador da TV Globo conduziu quase em uníssono as emoções dos espectadores de milhares de eventos esportivos pelo Brasil, ou com a participação de representantes nacionais. O futebol, em especial, é um evento público recordista em comunicação. Seja pela periodicidade, seja pelos anos de história, seja pelo vasto número de brasileiros que o acompanha.

Críticas freqüentes

Apesar do grau de improviso presente numa transmissão ao vivo, o narrador personifica uma decisão tomada no estúdio. Uma decisão de tremenda influência, como dito, não apenas pela extensão do público que atinge, mas por sua primazia.

Quantos puderam ler os lábios do argentino sem serem guiados pelo comentário instantâneo e seguro do narrador? As autoridades que participaram da prisão teriam percebido sozinhas o abuso? E teriam tomado a mesma atitude?

Galvão Bueno deu voz ao heroísmo de Ayrton Senna, crucificou técnicos e jogadores em más apresentações da seleção, influenciou milhões de conversas de bar. E, no dia 13 e abril de 2005, ajudou a prender um jogador de futebol. As críticas a ele são freqüentes. Mas difícil pensar que, um dia, ele não merecerá uma estátua. Muito além de Paulo Coelho, é hoje um dos homens mais influentes do país. Outro símbolo da concentração em nossos meios de comunicação.

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Estudante de Jornalismo da ECA-USP