O dia do Grande Medo em São Paulo, segunda-feira (15/5), raiou sem ônibus nas ruas e com chamas nas telas. Mas as imagens de veículos incendiados que as emissoras de TV que vivem do quanto mais amedrontador, melhor, não cessavam de exibir – eternizando o pesadelo de uma cidade sitiada – foram apenas uma das causas da síndrome de pânico que se apossou dos paulistanos.
E que continuou a se propagar, embora em menor grau, nos dias seguintes, como demonstrou reportagem de Fabiano Rampazzo, publicada no Estado de S.Paulo da sexta-feira (19).
O principal, ao lado do espetáculo que a cada cena rompia com as convenções elementares do que se entende por jornalismo, foi uma versão pervertida daquilo que os publicitários amam chamar ‘propaganda boca-a-boca’. E o seu veículo, para ficar no léxico da propaganda, foi a internet.
Provavelmente pela primeira vez no Brasil a teia global mostrou nesse dia a sua face mais feia. Já sabíamos, também nós, brasileiros, que a internet transporta, ao lado da luz da informação e do conhecimento, o que o ser humano tem de mais tenebroso: o racismo, a pedofilia, a homofobia, a incitação ao crime, a calúnia destruidora. Mas a inoculação do pavor foi uma novidade à qual não tínhamos tido ainda o desconforto de ser apresentados.
Rápido e rasteiro
De há muito as ciências do comportamento estudam a fisiologia do boato: como e por que surge e em que condições se difunde a ponto de ser aceito como fato líquido e certo por uma infinidade de pessoas que costumeiramente não vivem de olhos esbugalhados nem acreditam em ETs. O problema desses estudos é que são anteriores à internet.
Claro que basta um cochicho ao ouvido em meio ao burburinho de uma feira para que se espalhe com assombrosa rapidez que ‘os russos estão chegando’. Nem é preciso mencionar o telefone, naturalmente. Mas a internet é um meio muitíssimo mais eficaz do que qualquer outro para a fabricação e disseminação de falsas verdades.
Não se trata nem do dado óbvio de que uma mensagem eletrônica, original ou repassada, alcança de um só jato um número astronômico de internautas – que a mandarão adiante em menos tempo do que leva para dizer ‘contrafação’. O ponto é que, por sua própria instantaneidade e facilidade de uso, a internet é um convite a que se escreva duas vezes antes de pensar.
Reação pavloviana
Em sites, clubes de comunicação gênero Orkut, blogs e e-mails, o ditado de que quem conta um conto aumenta um ponto assume proporções exponenciais. Você dispara o que lhe dá na telha e o seu leitor ou endossará o que lê, esquecido do bom senso mais primário, ou o passará adiante agravado, à maneira do jogador de pôquer que repica ‘os seus 100 e mais 100’.
E não há hipótese de os parceiros acharem que é blefe. Se você digitar, em maiúsculas, como houve quem fizesse na desoladora segunda, que ‘HOJE ÀS 18HS HAVERÁ UM ATAQUE DE VIOLENCIA NA CIDADE… POR FAVOR, ESTEJAM EM SUA CASA…’, o mínimo que o seu leitor fará será papaguear a mensagem terrorista pelo seu valor de face.
Diante disso, quando uma autoridade apela a que as pessoas se acalmem, a reação pavloviana é partir do princípio de que ela está escondendo alguma coisa – portanto, só há motivo para ficar ainda mais nervoso, estado de espírito que transforma cada qual num poço de credibilidade.
Na internet, em suma, quando a ficção emociona mais que a realidade, delete-se esta e forwarde-se aquela.