A cada disputa eleitoral, a figura do marqueteiro ganha força dentro das campanhas. É dele a tarefa de construir a imagem do candidato: reforçar suas qualidades e atenuar seus defeitos junto ao eleitor. A função não fica restrita a dirigir de forma técnica os programas da propaganda política gratuita. O profissional sugere o que deve ser destacado no programa de governo para conseguir a simpatia do eleitor, determina como o político deve se portar durante os debates e, na reta final da corrida eleitoral, chega a ser o braço-direito dos candidatos. Se o |
marqueteiro. Eleição garantida, palmas para ele. O Observatório da
Imprensa exibido pela TV Brasil na terça-feira (19/10) discutiu o poder do
marketing político a partir do documentário de longa-metragem Arquitetos do
Poder, de Alessandra Aldé e Vicente Ferraz.
Em editorial, Alberto Dines destacou : ‘Os analistas disseram antes e depois
do primeiro turno que o marketing político foi o responsável pela secundarização
do confronto de idéias e a carência de uma discussão sobre propostas. Agora
cria-se um factóide: a questão do aborto foi determinante para a queda da
candidata Dilma Rousseff. É uma falsa questão. Dilma, Serra e Marina tinham
posições bastante parecidas. O que poderia produzir um debate inflamado seria a
questão do Estado laico e a anulação da concordata com o Vaticano. E isso
evidentemente está no plano imaginário’.
Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro a co-diretora do filme, Alessandra
Aldé, e o historiador Orlando de Barros. Jornalista e cientista política, Aldé é
professora e pesquisadora da Faculdade de Comunicação Social e do Instituto de
Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(IESP-UERJ). Escreveu o livro A Construção da Política e estuda temas
relacionados à comunicação política, como jornalismo eleitoral, propaganda
política e cultura política. Orlando de Barros é professor decano do Instituto
de Ciências Humanas da UERJ, doutor pela USP, autor de livros e ensaios de
história do Brasil, principalmente sobre o período Vargas. Escreveu recentemente
um ensaio tratando dos últimos meses de vida do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), o órgão de controle da informação do Estado Novo
(1937-1945).
Meio e mensagem
Ao longo do programa, foram exibidos trechos de Arquitetos do Poder. O
primeiro deles destacou o período entre os anos 1950 e 1960. O publicitário
Paulo de Tarso sublinhou que o marketing político no Brasil é antigo. ‘É
conhecida a excelência em marketing político que foi feita para Getúlio Vargas,
Jânio Quadros, com o ‘Varre-varre, vassourinha’, um clássico de comunicação
política’, disse. Para o também publicitário Lula Vieira, a força da imagem
passa pelo veículo onde ela está construída. A pouca sensibilidade dos
microfones usados em comícios nos anos 1950 e a transmissão de áudio precária
faziam com que o então presidente Getúlio Vargas precisasse falar devagar e
pausadamente, por exemplo.
Maurício Dias, jornalista e historiador, destacou que o fato de os jornais
serem partidarizados fazia com que os jornalistas também deixassem claro as suas
simpatias. O professor Marcus Figueiredo, do IESP-UERJ, disse que duas
atividades poderiam ser consideradas carros-chefe das campanhas naquela época: a
ação do candidato, com a presença dele em comícios, e uma assessoria de
imprensa, atuante notadamente no rádio. O ex-prefeito do Rio de Janeiro César
Maia completou que o rádio – usado com grande competência por políticos como
Leonel Brizola e Carlos Lacerda – tem uma linguagem forte, onde ‘se grita, se
fala alto’.
No debate no estúdio, Dines perguntou a Alessandra Aldé o porquê de o filme
começar com a eleição de Getúlio Vargas como presidente em 1950. Aldé explicou
que o filme tem uma introdução histórica porque o marketing político não é uma
peculiaridade da democracia contemporânea. Para a cientista política, o período
marcado pelo término do Estado Novo e o início das eleições foi um marco na
história da República e da construção da comunicação política. ‘Sempre houve
preocupação dos poderosos com a sua imagem e com a gestão da imagem’, assegurou.
Juscelino Kubitschek é outra figura importante para o marketing político por sua
preocupação com os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão e
os cinejornais. Pela primeira vez, o candidato tentava uma comunicação direta
com a nação.
Eleições modernas
Dines comentou que, quando Getúlio Vargas se candidatou, já tinha larga
experiência no poder, sobretudo na manipulação de órgãos de propaganda. Orlando
de Barros explicou que Vargas tinha capitalizado uma experiência importante no
passado que veio da 1ª República. Em 1931, montou um órgão para cuidar da
comunicação do governo e o aperfeiçoou na Constituição de 1934. Com o golpe do
Estado Novo, em 1937, criou o DIP. O professor destacou que esses fatores se
combinaram com o aparecimento das empresas de opinião pública e de publicidade
modernas: ‘Quando ele volta ao poder, sabe que será uma eleição moderna e que
terá que se valer de toda a experiência e da parafernália’ dos meios de
comunicação.
‘É Jânio Quadros quem começa a exercer o poder da performance. Há uns traços
em JK, que dá muita importância ao aspecto físico, à postura do corpo, mas
parece que com Jânio a performance se inaugura e se acaba com Collor’, disse o
professor. Em Jânio Quadros, de acordo com o historiador, se combinam vários
aspectos de popularidade. A vassoura é um deles. Surgida durante a campanha
eleitoral, era o instrumento que varreria a corrupção dos órgãos públicos. Foi o
carro-chefe da campanha e pode ser veiculada de diversas formas, através de
músicas e imagens. Outro fator destacado por Orlando de Barros foi a crescente
eficiência comunicativa da televisão naquele período.
Em 1974, em plena ditadura militar, as eleições para os representantes no
Congresso Nacional foram, na avaliação de Dines, ‘quase democráticas’. O então
partido de oposição, o MDB, mobilizou a opinião pública e teve um bom desempenho
nas urnas. Em entrevista para o filme Arquitetos do Poder, Paulo de Tarso
ponderou que a campanha na televisão ainda não obedecia às regras atuais. Os
partidos políticos tinham direitos a spots ao longo da programação e não
a programas longos, entre vinte minutos e meia hora, como é determinado hoje.
Marcus Figueiredo sublinhou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi a
primeira figura de coordenador de campanha com características profissionais
como vemos hoje. O intelectual organizou a mensagem política do partido de
oposição.
Depois da mobilização, o enquadramento
Dines comentou que aquela eleição não foi apenas um ‘caso de marketing’, mas
de resistência política. Aldé ressaltou que havia uma preocupação com a unidade
do discurso político apresentado e Fernando Henrique Cardoso esteve à frente
deste processo. O discurso era voltado para os meios de comunicação e havia uma
preocupação com a imagem. ‘Foi interessante porque era uma eleição para o
Congresso, mas houve toda uma tentativa da ditadura de limitar a representação
política. Nesta eleição há um contra-fluxo, uma reação muito forte da sociedade
apoiando os candidatos do MDB. Tinha uma eleição legislativa que serviu de
válvula de escape para este voto. E acabou sendo um golpe porque a Arena,
partido do governo, acabou perdendo a maioria [absoluta] nesta eleição’, disse
Aldé.
Como reação da ditadura à influência da televisão no resultado das eleições,
foi criada a Lei Falcão. Aprovada pelo Congresso Nacional em 1976, previa que os
partidos políticos deveriam limitar-se a mencionar a legenda, o currículo dos
candidatos, mostrar uma fotografia do candidato, informar o número de seu
registro na Justiça Eleitoral e anunciar o horário e o local dos comícios. ‘A
Lei Falcão censurou, restringiu os partidos de fazer a sua propaganda e é
lembrada como um mecanismo antidemocrático’, disse Aldé. Para a cientista
política, a Lei Falcão foi um ótimo exemplo da legislação tentando diminuir os
efeitos da comunicação política naquele momento, motivada pelo grande sucesso do
MDB na eleição anterior devido ao uso da televisão. Orlando de Barros avaliou
que a tentativa de silenciar o movimento político de abertura ‘acabou mal’ para
a ditadura.
Em 1989, após três décadas, os brasileiros vão às urnas para escolher o
presidente da República pelo voto direto. Dines comentou que o primeiro debate
entre os candidatos era um retrato da ‘inteligência política brasileira’. Os
dois convidados do programa concordaram que nunca houve uma eleição como aquela.
Alessandra Aldé comentou que os debates com menos regulação proporcionaram
‘embates retóricos’ intensos entre os candidatos.’Foi uma eleição solteira, só
para presidente, era a primeira depois do período de redemocratização. Os
partidos ainda não tinham essa prática de antecipar as alianças para conseguir o
tempo de televisão. Então, cada partido colocou o seu principal nome, seu
expoente. Houve um debate de altíssimo nível com as principais figuras
públicas’.
Segundo turno histórico
A disputa foi para o segundo turno com Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando
Collor de Mello. Em um trecho do filme Arquitetos do Poder mostrado no
programa, Paulo de Tarso conta que a direção da campanha de Lula percebeu que
para ganhar a eleição era preciso caminhar ‘para o centro’. Algumas estratégias
foram adotadas nos programas gratuitos da TV para mostrar ao eleitor que o
candidato do PT não representava uma ameaça: Lula passou a vestir terno e a
sorrir mais. Claudio Humberto, assessor de Fernando Collor, lembrou uma situação
que mostra claramente o engajamento de parte dos jornalistas em favor de Lula.
Quando o então candidato do PRN chegou à emissora onde seria realizado o
primeiro debate do segundo turno, os jornalistas que estavam aguardando do lado
de fora colocaram o equipamento no chão e começaram a cantar o jingle do
candidato do PT, ‘Lula lá’. ‘Hoje seria impensável que isto acontecesse’,
avaliou.
Para Alessandra Aldé, é difícil afirmar que Fernando Collor foi construído
pela mídia, embora concorde que o ex-presidente aproveitou de forma competente
os recursos dos meios de comunicação. Aldé destacou que Collor investiu em
pesquisas de opinião qualitativas e quantitativas para construir um discurso e
usou o período em que esteve à frente do governo de Alagoas para ser reconhecido
nacionalmente. ‘Ele mesmo conseguiu se preparar para os meios de comunicação de
massa’, explicou. Orlando de Barros avaliou que Collor foi o primeiro candidato
a se valer de uma atitude estritamente performática. ‘Não me parece que foi
acidental. Foi fabricado aos poucos e é provável que os marqueteiros tenham
entrado nesta aventura’, disse o historiador.
Jornalista
***
Marketing político
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 568, no
ar em 19/10/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Os analistas disseram antes e depois do primeiro turno que o marketing
político foi o responsável pela secundarização do confronto de idéias e a
carência de uma discussão sobre propostas.
Agora cria-se um factóide: a questão do aborto foi determinante para a queda
da candidata Dilma Rousseff. É uma falsa questão: Dilma, Serra e Marina tinham
posições bastante parecidas. O que poderia produzir um debate inflamado seria a
questão do Estado laico e a anulação da concordata com o Vaticano. E isso
evidentemente está no plano imaginário.
A ascensão do marketing é um capítulo fascinante da nossa história política e
o tema de um documentário de longa metragem dirigido por Alessandra Aldé e
Vicente Ferraz com o título muito significativo de Arquitetos do
Poder.
Vamos apresentar trechos do filme que serão debatidos pela própria Alessandra
– o co-diretor está no exterior – e pelo historiador Orlando de Barros.