Em 1° de junho de 1808, data-referência para o Brasil comemorar o Dia da Imprensa, Hipólito da Costa publicou o seu primeiro editorial no Correio Braziliense. Nenhum dos autores que trataram da obra de Hipólito até hoje prestou maior atenção nestas linhas primas que ele próprio chamou de “Introdução”, nessa palavra já embutida uma proposta de continuidade, fascicular, mais próxima do livro do que do jornal cuja característica e foco eram esgotar os assuntos tratados na edição presente.
No seu primeiro editorial, Hipólito lembra que “o primeiro dever do homem em sociedade é ser útil aos membros dela” para mais adiante situar o papel do jornalista nesse contexto de serviços referido: “Ninguém mais útil, pois, do que aquele que se destina a mostrar, com evidência, os acontecimentos do presente, e desenvolver as sombras do futuro. Tal tem sido o trabalho dos redatores das folhas públicas, quando estes, munidos de uma crítica e de uma censura adequada…” Observe-se que o jornalista situa a imprensa como um bem público e ao mesmo tempo considera a censura uma fatalidade, o seu filtro é a palavra “adequada”, que no contexto da época significava: de acordo com a lei.
Naquele tempo nenhum jornal do mundo estava fora do alcance da censura. No caso específico de Portugal, da tríplice censura (pontifícia, real e episcopal), de acordo com a norma de 17 de dezembro de 1793. Se não atingiu o Correio Braziliense em função das circunstâncias da guerra europeia, onde prevaleceu de fato a censura napoleônica, nos territórios ocupados pelos franceses, Hipólito, ao menos, considerava a censura como um fato corriqueiro – e era, já que se tratava de uma instituição milenar, anterior à existência da própria imprensa. Em Portugal, vigente desde quando D. Afonso V mandara queimar as obras de Wycliffe e Jan Hus (1451).
O pioneirismo da imprensa portuguesa
Para justificar a importância de um periódico no seu papel de informar a população e formar opinião, Hipólito se reporta, no seu editorial, ao que considerava, não sei se por ignorância, ou convicção, o primeiro jornal em língua portuguesa: “Foi em Lisboa, na imprensa de Craesbeeck, em 1649, que este redator traçou com evidência, debaixo do nome de boletim, os acontecimentos da guerra da Aclamação de D. João IV”. O jornalista ignora, nesta avaliação, a existência da Gazeta da Restauração, editada em 1641, ou seja, oito anos antes da “Relação do sucesso que alcançaram oito tropas da cavalaria de Olivença, contra sete companhias do inimigo Castelhano”, o boletim de Paulo Craesbeeck mencionado, quatro páginas de matéria e mais uma folha de rosto, configurando cinco.
O jornalista erra novamente ao destacar o pioneirismo da imprensa portuguesa, desconhecendo o Nieuwe Tijdinghen, de Antuérpia (1602), e mesmo o Relation aller fürnemmen und gedenckwürdigen historien, de Estrasburgo (1609), entre outros que antecederam a imprensa lusa: “Sendo nós os primeiros promotores de jornais públicos na Europa, e sendo certo que estas publicações excitaram tanto o entusiasmo público da nação portuguesa nas guerra da aclamação…” Hipólito, de fato, ignorava a existência dos jornais citados, ou conhecia o seu conteúdo e não o julgava público no sentido de formador de opinião, a que se refere no seu editorial? “Sendo também nós aquela nação que comprou a sua liberdade com estes jornais políticos…”
Texto brilhante, culto, provocativo
As referências épicas do jornalista tinham um único propósito: o de relevar a importância de um novo jornal, o seu, num contexto também de re-conquista, considerando o momento vivido pela Coroa portuguesa em 1808, temporariamente instalada na Colônia, ou seja, no Brasil: “Levado destes sentimentos de patriotismo, e desejando aclarar os meus compatriotas, sobre os fatos políticos civis e literários da Europa, empreendi este projeto”, justifica. É de se estranhar essa conotação e ênfase em fatos políticos civis numa Europa naquele momento marcada por fatos políticos militares.
Em todo caso, Hipólito da Costa conclui a sua exposição de motivos destacando o seu propósito editorial: “Feliz eu se posso transmitir a uma nação longínqua e sossegada, na língua que lhe é mais natural, e conhecida, os acontecimentos desta parte do mundo, que a confusa ambição dos homens vai levando ao estado da mais perfeita barbaridade”. Felizes os brasileiros que, durante 14 anos, contaram com o texto brilhante, culto, provocativo, de um dos maiores jornalistas do mundo, na sua época. Nenhum outro redator em língua portuguesa, no seu tempo, polemizou, apontou e explorou contradições de seus adversários – e em especial indicou soluções – no patamar em que Hipólito da Costa o fez. Ele próprio, como desejava, protagonista da história.