No apagar das luzes do ano legislativo, importante decisão da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, em sessão do dia 17/12, não teve repercussão na grande mídia. O Projeto de Lei 2007/07, que acabava com a exigência da transmissão do programa A Voz do Brasil às 19 horas, foi rejeitado. A proposta tramitava ‘em caráter conclusivo’ e será arquivada.
O PL 2.007/07, de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) –, ao qual foi apensado o PL 2.680/07, do radialista e apresentador de TV deputado Cristiano Matheus (PMDB-AL), com o mesmo objetivo – alterava a redação das alíneas e e f do Artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), que passariam a vigorar com a seguinte redação:
‘e) as emissoras de radiodifusão, excluídas as de televisão, são obrigadas a retransmitir, diariamente, no período compreendido entre as dezenove e vinte e duas horas, exceto aos sábados, domingos e feriados, durante uma hora, o programa oficial de informações dos Poderes da República A Voz do Brasil, podendo reservar até dez minutos do tempo destinado ao noticiário preparado pelas duas Casas do Congresso Nacional para divulgação em cada unidade da federação de notícias das atividades parlamentares de seus respectivos representantes.
‘f) opcionalmente, as emissoras poderão retransmitir, durante sua programação diária normal e no período compreendido entre as oito e dezenove horas, fora da cadeia nacional, até dez minutos do programa A Voz do Brasil reservados ao Congresso Nacional, em pequenos segmentos de informação, divulgando em cada unidade da federação, notícias das atividades parlamentares de seus respectivos representantes na forma prevista em ato do Poder Legislativo.’
Por que mudar
Tratava-se, na verdade, da famosa ‘flexibilização’ do horário de transmissão do tradicional e popular programa radiofônico que há alguns anos se transformou numa das bandeiras dos empresários de mídia – e de seus aliados – contra a interferência do Estado, que consideram indevida, na programação das emissoras concessionárias do serviço público de radiodifusão.
Na justificativa de seu projeto, o deputado Carlos Bezerra não apresenta maiores explicações sobre as razões da proposta. Apenas reafirma a importância do programa radiofônico e descreve o que propõe.
‘O presente Projeto de Lei pretende compreender todas essas facetas de interesse, de dois modos. Primeiro, ampliando, para as emissoras, o período em que poderão veicular o programa; seja no horário tradicional, integrando-se à cadeia nacional, seja utilizando outro horário, à sua escolha dentro do período compreendido entre as dezenove e vinte e duas horas. Segundo, permitindo que as empresas optem por transmitir durante sua programação diária normal, até dez dos trinta minutos do programa A Voz do Brasil destinados ao Congresso Nacional em pequenos segmentos chamados de spots, divulgando principalmente, em cada unidade da federação, notícias das atividades parlamentares de seus respectivos representantes, conforme regulamentação a ser estabelecida pelo Poder Legislativo.’
Por outro lado, o parecer do relator deputado Ratinho Júnior (PSC-PR) pela aprovação do projeto principal e do apensado, com substitutivo, repetiu os argumentos que têm sido apresentados rotineiramente pelos radiodifusores e dilatou o período para a retransmissão do programa para cinco horas, isto é, entre as 19 e 24 horas. Diz o parecer:
‘As proposições questionam (…) a rigidez do horário de retransmissão, com a argumentação de que as diferentes regiões do Brasil podem apresentar necessidades diversas, pois no início da noite, enquanto nas grandes cidades há uma intensa e estressante movimentação na luta diária contra o congestionamento do trânsito, em cidades menores, ou na zona rural, a realidade e os anseios são outros. Não temos dúvidas de que é fundamental modernizar e adequar a legislação às novas exigências da sociedade. Entendemos que flexibilizar o horário não provocará qualquer comprometimento da audiência média da programação. (…) Estamos convencidos de que a audiência será ainda maior com as alterações propostas. Afinal, muitas matérias de interesse pessoal de um ouvinte ou de grupos serão procuradas nas emissoras em horários posteriores. Hoje, quando se perde a informação, o grande público não a recupera mais, não consegue ouvi-la novamente. Ademais, para as emissoras é fundamental ter certa liberdade na programação, mantendo o respeito a determinados parâmetros, pois é uma forma objetiva de otimizar seu planejamento e a gestão de recursos. (…) A nossa convicção, no entanto, é a de que a flexibilização será mais produtiva e os resultados mais práticos se ocorrer em período contínuo, por uma hora, como hoje, mas a partir das dezenove horas até o limite das vinte e quatro horas.’
Por que não mudar
Rejeitado o substitutivo de Ratinho Junior, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) foi designado para apresentar o parecer vencedor. Na justificativa de seu voto, simplesmente afirmou:
‘Ouvir o programa A Voz do Brasil às 19h é um hábito que já faz parte da cultura nacional há muitas décadas. Modificar o horário seria provocar uma mudança que consideramos indevida e que prejudicaria milhões de brasileiros.’
Assunto encerrado?
Além de reivindicação de ‘determinados setores do empresariado da comunicação’, o projeto de flexibilização do horário do programa A Voz do Brasil foi, na verdade, o primeiro teste legislativo, embora indireto, da nova tese jurídica que desobriga o sistema privado de radiodifusão de servir ao interesse público (ver, neste Observatório, ‘Novo conceito jurídico para sistema privado de TV‘). E foi derrotado.
Se considerarmos, no entanto, que se trata de bandeira encampada pela mais poderosa associação de empresários de radiodifusão do país, a Abert, devemos esperar que tanto a ‘flexibilização’ quanto o novo conceito jurídico retornarão em outros projetos de lei. É assim que tem sido e é assim que continuará a ser quando se trata dos interesses do sistema privado de radiodifusão no país.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)