Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O que a imprensa viu. E não viu

A interrupção do julgamento das ações que contestam a criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no Supremo Tribunal Federal, cria a oportunidade para a imprensa oferecer mais informações sobre a disputa em Roraima. Algumas das informações mais relevantes surgem do voto do relator, o ministro Carlos Ayres Britto. Outras aparecem nas reportagens feitas por jornalistas enviados ao local.


Detalhes do pronunciamento do relator, reproduzidos na quinta-feira (28/8) pelos jornais:


** os plantadores de arroz ocupam terras públicas, não são proprietários;


** os arrozais mais antigos foram plantados em 1992, o que não dá aos agricultores direito adquirido;


** a presença de índios na fronteira nunca foi ameaça à segurança nacional.


O voto do relator, favorável à demarcação de terras contínuas para abrigar reservas indígenas, acrescenta ainda que a discussão sobre riscos à soberania é uma cortina de fumaça – para esconder o fato de que empresas estrangeiras e investidores privados estão comprando grandes áreas na região e promovendo a internacionalização da Amazônia.


Outro aspecto ressaltado na primeira fase do julgamento, e que vinha sendo omitido pela imprensa, é que os arrozeiros são os principais responsáveis pelos danos ambientais ocorridos nos últimos anos no Estado de Roraima.


Diferença relevante


Mas as melhores contribuições para o entendimento do caso vêm, como sempre, dos repórteres enviados ao local. Por meio de seus relatos fica-se sabendo, por exemplo, que alguns fatores externos provocam a divisão na comunidade indígena entre os que defendem a reserva e os que preferem a permanência dos produtores de arroz.


Entre esses fatores está a presença de religiosos católicos e evangélicos nas aldeias. Os índios sob influência da igreja católica defendem a demarcação das terras em reservas contínuas. Os que se converteram às seitas evangélicas são a favor da permanência dos arrozeiros brancos.


Segundo relata a Folha de S.Paulo, os indígenas assistidos por missionários católicos preservam sua tradições culturais, enquanto os que freqüentam cultos evangélicos são obrigados a abandonar suas crenças.


Eis aí uma diferença relevante quando se discute a questão das populações tradicionais.


***


Os outros excluídos


No outro lado do grande mosaico das perversidades sociais no Brasil, O Globo traça um retrato das milícias que dominam favelas cariocas, substituindo a tirania dos traficantes pelo despotismo dos agentes públicos transformados em organizações mafiosas.


Numa ampla reportagem intitulada ‘A milícia mostra a sua cara’, O Globo dá seqüência à série ‘Favela S/A’, na qual tem revelado quem lucra com a exploração das comunidades pobres do Rio. Agentes policiais e políticos já foram apontados como os principais beneficiários da comercialização de drogas e de serviços clandestinos de transporte, distribuição de energia e de ligações piratas de TV a cabo.


Na edição de quinta-feira (28), O Globo revela que os chamados milicianos também se dedicam à exploração da prostituição infantil, negociando crianças de até 9 anos de idade para programas sexuais. A reportagem foi baseada em observações dos jornalistas e nos dados apurados pelo Ministério Público do Rio, e revela que muitos dos criminosos ainda estão lotados em órgãos públicos do estado, especialmente a Secretaria de Segurança, enquanto outros são ex-policiais.


Esse agentes formaram grupos paramilitares para combater o narcotráfico há cerca de cinco anos, e em muitas comunidades expulsaram os traficantes e ocuparam seus negócios. Aproveitaram as guerras de gangues para se apresentar aos moradores como salvadores da pátria e, depois, se estabeleceram como donos das comunidades. Quase todos são egressos de grupos de extermínio que atuavam nas disputas entre os traficantes.


Em alguns casos, segundo o jornal, esses criminosos usam equipamentos do estado, como armas, sistemas de comunicação e até veículos blindados para manter seus domínios. Entre eles há policiais, bombeiros e agentes penitenciários. As milícias que eles organizaram usam uniformes, seus líderes e integrantes são conhecidos pelo serviço de inteligência da Secretaria de Segurança.


A série de reportagens do Globo poderia servir como ponto de partida para alguma ação do Estado. Se o Estado estivesse disposto a alguma ação.