Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que aprender com o escândalo Murdoch

A “cloaca Murdoch” – como a designa o diário espanhol El País – precisa ser imediatamente desinfetada e tampada. Caso contrário, vai esparramar-se pelo mundo afora.

No Brasil, duas ações preventivas podem ser imediatamente deflagradas, sem custos, desgastes, concessões, licitações e, principalmente, sem conversa fiada.

A primeira ação cabe ao Estado brasileiro, há pelo menos quatro anos cúmplice de uma flagrante ilegalidade: o Conselho de Comunicação Social (CCS), previsto no artigo 224 da Constituição de 1988, regulamentado em 2002 e instalado no ano seguinte foi sub-repticiamente desativado pela presidência do Senado.

O Congresso Nacional perdeu o seu órgão auxiliar, um colegiado diligentemente articulado pelos senadores Artur da Távola (PSDB-RJ, prematuramente falecido) e Eduardo Suplicy (PT-SP). Perdeu também um fórum capaz de fornecer aos legisladores federais o suporte teórico para os seus projetos e inquirições na área da comunicação social.

O Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, declarou numa edição televisiva do Observatório da Imprensa (23/3/2011) que o governo é favorável ao restabelecimento do órgão. Mas não cabe ao Executivo ressuscitar o CCS: quem deve fazê-lo é a Mesa Diretora do Senado, onde o governo tem maioria. Acontece que o eterno presidente do Senado, José Sarney, jamais aceitou a existência do Conselho, o que explica os 14 anos de atraso para a sua regulamentação. Foi no intervalo entre dois mandatos de Sarney – quando a presidência da Câmara Alta foi ocupada pelo senador Remez Tebet – que a sua “ala jovem” conseguiu emplacar o CCS.

Fé pública

A segunda providência para impedir a repetição no Brasil dos ilícitos praticados na cloaca murdochiana está na esfera das entidades empresariais da mídia, mais especialmente a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a mais visível e respeitada de todas.

No início da presidência de Dilma Rousseff a ANJ comprometeu-se publicamente a instalar um Conselho de Autorregulação nos moldes do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Na promessa e no modelo escolhido estava compreendida a idéia de um órgão colegiado que adotaria um Código de Ética corporativo e acompanharia a sua implementação.

Contudo, porta-vozes da ANJ começaram uma sutil campanha para relativizar ou substituir a condição pluralista e colegiada da nova entidade. A idéia agora é fragmentar o conceito de autorregulação em operações individuais – cada veículo teria o seu código de ética particular e se encarregaria de fiscalizar a sua implementação. Como se Rebekah Brooks fosse designada ombdusman do falecido News of the World.

Convém registrar que a PCC (Press Complaints Comission), a britânica Comissão de Queixas contra a Imprensa, ganhou súbita notoriedade a partir do escândalo Murdoch e isso aconteceu não porque fosse um órgão colegiado, mas, ao contrário, porque sendo um colegiado deixou de cumprir os seus compromissos públicos e institucionais.

Se a PCC funcionasse tal como foi concebida, as denúncias do The Guardian teriam desativado preventivamente a central de crimes hospedada nos tabloides de Murdoch.

Não temos no Brasil uma imprensa amarela, temos o equivalente marrom – há meio século. Murdoch não é o único vilão, seu principal parceiro foi a PCC complacente, incapaz de atuar como um ente coletivo, de fé pública, representante dos interesses dos leitores e anunciantes.

Ao trabalho: resgatemos o nosso CCS e criemos uma PCC real e não virtual. Antes que a mordaça equatoriana ganhe uma versão tupiniquim.

 

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