O julgamento previsto para hoje [quarta, 10/6], no Supremo, da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o entendimento de que biografados e familiares podem barrar a publicação de respectivas biografias chega a ter a importância da deliberação da mesma Corte, em 2009, sobre o destino da Lei de Imprensa, um entulho autoritário herdado da ditadura militar.
Espera-se que, assim como em 2009, quando a lei foi declarada inconstitucional, o mesmo ocorra hoje. Pois, nos dois casos, o ponto central é a liberdade de expressão e imprensa, como estabelecida na Constituição.
A Adin nº 4.815, impetrada em 2012 pela Associação Nacional dos Editores de Livros, e que tem a ministra Cármen Lúcia como relatora, mira artigos do Código Civil, pelos quais proíbe-se a veiculação de informações que atinjam “a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” de biografados.
Tudo muito vago. Mas foi a partir desta imprecisão que, por exemplo, o cantor e compositor Roberto Carlos conseguiu até hoje impedir a comercialização de sua biografia escrita por Paulo César de Araújo.
Foi, inclusive, em torno de Roberto Carlos que compositores também conhecidos — Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, entre outros — se uniram no grupo “Procure Saber”, para juntar a bandeira da virtual censura de biografias a uma agenda no campo dos direitos autorais. A aliança foi rompida, talvez diante da reação firme contra um desatino autoritário na democracia.
Neste conflito, há quem oponha o direito à privacidade ao da liberdade de expressão e imprensa. Um falso choque. O xis da questão está no direito de a sociedade ser informada sobre pessoas públicas, ou quaisquer outras, as quais, por sua vez, têm à disposição o Código Penal, para acionar possíveis autores de mentiras, calúnias e difamações.
Tentar impedir a publicação de livros, jornais, revistas, o que seja, em nome da defesa da “honra” se trata de ato indiscutível de censura prévia. Inconstitucional, portanto. Em países avançados, com amplo mercado editorial, há autobiografias, biografias autorizadas e não autorizadas. Todas com leitores. Pode haver discussões na Justiça. Mas é inadmissível a censura prévia. E admitir a aprovação antecipada de biografados é converter as biografias em relatos “chapa-branca”.
Chega a ser um desserviço ao conhecimento da História. Afinal, muito dos costumes políticos, sociais etc. de época é conhecido por meio de perfis de personalidades. Outra decorrência perniciosa deste poder de veto concedido a biografados e familiares é permitir a existência de indevidas barganhas financeiras entre as partes.
Tem sido esta ameaça de censura com base judicial que impede que se conheça a fundo a história de brasileiros como Manuel Bandeira e Guimarães Rosa, por exemplo. Mesmo que já se tenham passado 30 anos do fim da ditadura.