Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que o Rio precisa fazer

Diálogos mantidos com a presidência da ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro) revelam: a percepção do segmento empresarial é positiva, apesar de poder estar errada. “É como o segmento vê as coisas”, segundo a opinião da diretoria. Não nos resta alternativa a não ser analisar o porquê dessa dúvida na 7ª sondagem empresarial, “A força do Estado do Rio de Janeiro”.

Na leitura do relatório, publicado com estardalhaço num domingo pelo jornal O Globo, nota-se claramente a tendência de exibir o lado positivo, mesmo admitindo a total discordância com o empresariado nacional, que prevê um cenário mais adverso em função do câmbio, da inflação e, principalmente, de um crescimento menor do que o de 2010. O chamariz é que finalmente o estado terá um crescimento maior do que os outros, com aprovação unânime, por causa dos investimentos previstos até 2016. Ora, após mais de meio século dos mais diversos problemas, que levaram o Rio ao fundo do poço, realmente existe a esperança de se dar a tão sonhada volta por cima. Há alinhamento entre os três poderes, faremos os mais midiáticos eventos mundiais e surgiu uma mina de ouro negro: o pré-sal, com investimentos iniciais R$ 107,9 bilhões, coisa geológica, que apareceu do subsolo e que irá gerar riquezas, mas que claramente não é a salvação de todos os problemas, pois, inclusive, pode acarretar a perda dos atuais royalties do petróleo, fato que o estado já avisou que não assimilará e que, sem eles, quebrará.

Os investimentos, segundo a pesquisa

Segundo essa pesquisa, nós estamos indo “da descrença à confiança absoluta”, o que é uma tremenda propaganda enganosa. Tirando o aspecto do crescimento com o pré-sal, o que mudou? A pesquisa segue mostrando que a grande preocupação (desvantagens) continua sendo a segurança pública, mesmo diminuindo um mínimo percentual: de 91% para 79,3%. Parece que o empresariado está meio ressabiado e ainda não acredita muito no carro chefe estadual, que para dar certo e acabar com o atual abismo social necessita engajar toda a população, ou seja, resolver de forma clara para que todos acreditem que o lado socioeconômico vai funcionar, o que até agora não aconteceu, conforme pesquisa do RCV, após dois anos de UPP na Cidade de Deus.

A pesquisa prossegue abordando a carga tributária (que é considerada a maior do mundo pelo Banco Mundial) de 41,4%, os custos maiores (porque com o parque industrial esvaziado qualquer periférico tem que vir de fora do estado) de 34,5%, malha viária e até qualidade da mão de obra. Curiosamente, estes aspectos não foram comparados com os anteriores porque simplesmente não há motivo, já que nada mudou nesses aspectos, a não ser para pior.

Com relação às vantagens, a localização (69%) ganha disparado das alternativas que são qualidade de vida (44,8%), possibilidade de expansão do negócio (41,4%), qualidade da mão-de-obra (37,9%) e oportunidades ligadas aos mega eventos esportivos. A grande vantagem sempre será morar no Rio, por causa dos seus fatores climáticos, beleza natural, cultura e povo que não tem rival no mundo. A “qualidade” de vida não acompanha o entusiasmo de morar no Rio, nem a possibilidade de expansão do negócio (baixa renda per capita; sem o petróleo; e, por que será que, por exemplo, os grandes shows não vêm ao Rio?), nem a qualidade da mão de obra (será que isto tem alguma relação com o fato de o ensino ser o pior entre todas as unidades da federação ou, ainda, ter a ver com a desindustrialização?) e demonstra a indiferença por megaeventos que universalmente tem por princípio melhorar a infraestrutura urbana de transporte para, depois, via crescimento da atividade turística, influenciar positivamente a economia.

Não serão acontecimentos de um mês ou 15 dias que irão salvar a economia, pois só 32,1%, que devem ser logicamente a parte beneficiada, é que afirmaram que vão investir, contra 50% que garantiram que não investirão e indecisos que se não se planejaram até então, não será agora que irão mudar de ideia.

Impostos suecos, serviços angolanos

A reportagem começa a claudicar ao afirmar que 53,6% das empresas consultadas estão otimistas e esperam, nos próximos cinco anos, aumentar em 10% o volume de recursos em relação ao que foi investido no período anterior. Como estamos falando de empresas que certamente tem metas traçadas de curto, médio e longo prazo, o termo esperar não é o correto quando se fala de investimentos programados. Até porque o empresariado trabalharia muito mais animado se houvesse uma política pública com um master plan que exibisse sólida âncora socioeconômica, cultural e ambiental que permitisse um planejamento integrado de toda a sociedade com metas de curto, médio e longo prazo críveis, como outras economias que tinham problemas iguais ou piores do que os nossos e que conseguiram dar a volta por cima e hoje aparecem nos indicadores ostentando os melhores padrões mundiais de qualidade de vida.

Empresário sério não quer saber de “jeitinho”, e sim, de políticas públicas definidas em comum acordo e com validade definidas claramente. O porquê dos governantes não apresentarem isso, num cenário que é apontado como positivo, é um mistério insondável.

Soa absurda quando cita que (apenas!) 3,4% dos empresários apontam que a segurança é uma vantagem. Para encurtar, recebi esta semana um empresário do sul que veio conhecer o Acorda Rio para estudar uma forma de viabilizá-lo. Tivemos uma longa conversa na qual ele ficou entusiasmado com as possibilidades apresentadas e me informou que só retornaria no dia seguinte, porque queria conhecer também a tão propagandeada noite carioca. Qual não foi a minha surpresa, no dia seguinte, com o relato de que após jantar no Baixo Gávea, pegou um táxi para o seu hotel no Leblon e neste curto trajeto sofreu um sequestro relâmpago, em que foi extorquido. O que não foi suficiente para diminuir o seu interesse no projeto, devemos salientar. Aliás, ele me informou que o Rio bobeou e perdeu o direito de sediar a perna brasileira da Volvo Ocean Race, a prova mundial mais importante da categoria, que era dada como certa no Rio, e que ele próprio irá realizá-la em Itajaí, Santa Catarina.

Além disso, se o leitor for ouvir a voz rouca das ruas, descobrirá que a economia continua cambaleando, que o número de calotes ainda é muito alto e que, por exemplo, a Fashion Rio supostamente até agora não pagou seus prestadores de serviço; que os gargalos continuam os mesmos, como os da ponte Rio Niterói, que esperam há incríveis trinta anos serem resolvidos; que os serviços públicos continuam em crise seriíssima, que o trânsito está enlouquecedor (outro dia, por este motivo, uma madame foi extremamente deselegante com a esposa do nosso prefeito dentro de um salão de beleza). Enfim, será preciso trabalho duro para após mais de 50 anos de incúria administrativa parar de cobrar impostos suecos e deixar de prestar serviços angolanos ao Rio, como gosta de brincar o engenheiro Eliezer Batista da Silva.

Emissão de CO² duplicou

O Globosegue afirmando que em 2010 foram criados mais de cem mil empregos formais. É um número relevante, só que aonde foi que mudou? Qual empresa se instalou aqui no Rio? Ou isso foi consequência do PAC e da nota fiscal eletrônica, porque a informalidade nos negócios estava em indecentes 95% em 2008 (RCV)? Normalmente quem mata a cobra faz questão de, por puro marketing, mostrar o pau. Se formos pegar os números da Cidade de Deus (RCV e Ietis), que são os mais recentes estudos depois de dois anos de ocupação com a UPP, que teoricamente teriam melhorada a situação da cidade, e aplicá-los (42% não trabalha e mais de 28% trabalha, mas não tem carteira assinada) e fizermos uma comparação empírica com as comunidades, onde moram cerca de três milhões de pessoas (IBGE), obteríamos como resultado minimamente 1 milhão de desempregados, subempregados e outros produtos perversos de uma economia que vem sendo esfacelada há mais de 50 anos, ao ponto de a atividade industrial não ter mais a figura do operário padrão.

Não é à toa a realidade das calçadas da cidade, a epidemia de pessoas fumando crack e o altíssimo índice brasileiro de reaproveitamento das latas de alumínio que não reflete a educação do povo e sim a necessidade de sobreviver da população do jeito que der, mesmo que seja num lixão onde várias pessoas conseguiram dar um futuro de qualidade para seus filhos. Sendo que por motivos ambientais esses lixões serão fechados. Mas, perguntamos, e os que trabalham lá, qual será o seu futuro?

Estamos no caminho, mas há muito para ser feito e mudanças impactantes podem e devem ser anunciadas, só dependem de políticas públicas. Se elas não forem aplicadas acontecerá aqui o mesmo recrudescimento da violência que ocorreu na Colômbia, quando o índice de mortes por cem mil habitantes explodiu e estava beirando 94 em 2010, depois de ter regredido de 80 nos anos 1990 para 18 em 2007, época em que o governador Sergio Cabral esteve lá para conhecer e trazer para cá o modelo das UPPs.

Após um longo e tenebroso inverno, os três poderes trabalharam conjuntamente e temos efetivamente a possibilidade de nos reinventarmos, mas, até agora, a política pública apresentada não privilegiou uma união de toda a sociedade em prol de um desenvolvimento autossustentável e, principalmente, diante da maior preocupação mundial: a sustentabilidade, mesmo ostentando uma pródiga natureza. A maior conquista estadual foi o projeto da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), construída em Santa Cruz, que deixou a cidade mais poluída (dobrou indecentemente a emissão de CO² no município do RJ), não criou os empregos esperados, exporta toda a produção ao invés de criar um polo industrial e nem impostos arrecada. A conclusão é do prefeito carioca, que reconhece o que os ambientalistas, moradores e pescadores da região já denunciaram há muito tempo.

Modelo inovador

A sociedade carioca “sonha” com uma política pública que dote o estado de futuro digno, como aconteceu, por exemplo, no Equador com sua primavera eterna. Um belo dia o poder público resolveu investir na produção de flores, dotou a região da infraestrutura necessária e logo o resultado apareceu: é o maior exportador de flores da América do Sul. O mesmo sucedeu com a pequena cidade de Mendoza, voltada para o turismo, e que em 20 anos já tem uma rede hoteleira muito maior e melhor do que a do Rio, refletindo uma pujança econômica ímpar numa Argentina em eterna crise. Olhe a transformação de Cingapura, um dos portos mais importantes da Ásia, que em 21 anos passou de um covil de piratas para uma potencia econômica com grande destaque para o turismo.

O Rio, por suas características, precisa se reinventar como Barcelona, que superou o ETA, o movimento terrorista mais antigo do mundo, extirpou as favelas, revitalizou sua economia e hoje ostenta os melhores índices de qualidade de vida do mundo. Esses lugares aplicaram políticas públicas que privilegiaram suas vocações naturais, uniram suas sociedades para revitalizar suas economias através de planos diretores com metas e prazos claramente definidos e com correções de rota.

O mundo está passando por grandes transformações, milhões de pessoas pela primeira vez estão se unindo para lutar por um futuro melhor, com dignidade e qualidade de vida. A pressão é para que o estado atenda suas necessidades e os inclua através da revitalização dessas economias. Sem essa de benefícios, bolsas isso ou aquilo, programas do tipo favela bairro e outras ações do gênero. O que as massas querem não é a redistribuição da riqueza existente, porque isso leva ao roubo, corrupção, monopólios inibidores da concorrência e asfixia o empreendedorismo, fatos que levam a um inevitável declínio econômico e à decadência dos costumes (soa familiar?). Elas querem liberdade econômica com um estado que apresente uma política clara de desenvolvimento que una toda a sociedade com ênfase no aumento da renda per capita, no livre empreendedorismo e na eficiência dos serviços públicos, com a população participando ativamente como na Coreia do Sul e no Japão. Política pública de resultados, este é o nome da transformação sonhada.

Aqui no Brasil esses ideais já estão sendo enunciados, como no excelente artigo do Luis Fernando Janot, publicado no Globo de 16/4/2011. “Na grande metrópole, o principal desafio que as classes dirigentes terão que enfrentar, daqui para frente, será a forma de lidar com as transformações impostas pelos avanços tecnológicos. Neste ponto, cabe perguntar até quando o modelo de comportamento humano assentado na indiferença social conseguirá resistir à presença implacável das multidões desejosas de compartilhar as benesses que não lhe permitiram alcançar. Como resistir ao convívio inevitável com o exército de excluídos que a suposta eficiência produtiva deixou pelas ruas a mendigar? Estas são algumas questões diversificadas que se impõem aos urbanistas e planejadores urbanos das grandes cidades contemporâneas.”

Ele segue: “Entendemos que a cidade do Rio de Janeiro vive hoje um momento extremamente oportuno para serem criados instrumentos para viabilizar a implementação de um modelo de planejamento e gestão urbana inovador e que seja capaz de assegurar o desenvolvimento sustentável da cidade e sua região metropolitana.”

A capital da energia

Ou seja, não existe país rico com o povo pobre, nem ciclo virtuoso no Rio sem a inclusão dos subúrbios, área metropolitana e da horda de despossuídos. Como fazer isto está na cara, só não enxerga quem não quer ver, como diz o ditado.

Afinal, para que tantos esforços para sediar uma Copa e uma Olimpíada, gastar bilhões em infraestrutura urbana, se não for para desenvolver o turismo, a maior indústria do mundo, cujos resultados aparecem em curto prazo e, por essa razão, incentivam futuras ações encadeadas em um ciclo virtuoso que bem administrado se eterniza com qualidade de vida? Ou foi para realizar uma especulação imobiliária em dois milhões de m² de uma empresa na Barra (sob o mote de 30 anos em cinco) e na área portuária, que da forma que está sendo arquitetada inibirá qualquer chance de revitalizar socioeconomicamente os subúrbios, a área metropolitana sepultando a tão esperada revitalização da economia? Se essas ações forem equacionadas porque não são concorrentes e, sim, complementares, podem ser aplicadas conjuntamente como em Barcelona com sucesso total.

Hoje o preço dos imóveis no Rio beira a irracionalidade, fato que obrigou Sam Zell a vender suas participações e a botar a boca no trombone quanto a isso. O preço dos imóveis em Barcelona subiu muito com o anúncio de que iria sediar as Olimpíadas e depois, com o sucesso da revitalização econômica, subiu mais de 500% em toda a cidade (ayuntamento de Barcelona) e se mantiveram mesmo com a crise mundial. Os lançamentos em Cingapura são internacionais, tamanha a procura. Esses exemplos refletem o que poderia acontecer no Rio, se a cidade se transformasse na vanguarda mundial do turismo.

As vertentes são várias e o secretário de desenvolvimento econômico municipal quer transformar o Rio numa “capital do petróleo” como a americana Houston, a norueguesa Stavanger ou a escocesa Aberdeen (título que nenhuma delas ostenta – Wikipédia), aproveitando a descoberta de grandes reservas de petróleo na camada de pré-sal em parte do subsolo marinho do estado do RJ, o fato da sede da Petrobrás e de outras empresas do setor estar aqui, de onde se extrai cerca de 80% da produção brasileira. Para tanto solicitaram um estudo da empresa de consultoria Booz & Company apresentando o interesse de várias empresas do setor para se instalarem ou ampliarem suas instalações aqui. Segundo ele, o Rio tem tudo para ser a capital da energia do Brasil e da América do Sul, tendo como investimentos totalmente certos para os próximos 5 anos US$ 3 bilhões, com previsão extremamente conservadora de pelos 4,5 mil empregos, já que o estudo buscou analisar as perspectivas de toda a cadeia petrolífera em relação a cidade, partindo de evidências como o tamanho das jazidas, localização dos escritórios das empresas do setor e das possibilidades de expansão do polo de inovação em torno do pré-sal, que exigirá novas técnicas a serem desenvolvidas em parceria com a UFRJ.

Âncora no “turismo total”

Contudo, o petróleo é finito, a atividade não une a sociedade, a maioria dos empregados não será brasileira e sim de técnicos das companhias estrangeiras, dadas as circunstancias de total insalubridade que exigirá mecanização total, sendo que a Petrobras não está conseguindo atingir a nacionalização exigida pela lei pelas diferenças orçamentárias, que implicam custos até 55% maiores. O número de empregos em relação aos investimentos é pífio, porque se for feita uma comparação simples, para cada bilhão de dólares arrecadado no setor turístico, segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), órgão da ONU, a atividade gera 165 mil novos empregos. Em outra comparação a indústria turística uma vez desenvolvida com propriedade eterniza seus empregos e se auto-sustenta. Em 2008, Nova York faturou só com os turistas US$ 38 bilhões. Se forem computar os visitantes… Em todo o mundo é assim, porém, e no Rio?

Considero positivo o esforço quanto ao petróleo, porém nada impede o desenvolvimento simultâneo da atividade turística com conveniência, o que movimentará toda a sociedade concomitantemente produzindo um efeito em toda a cadeia produtiva, levando o Rio em curto espaço de tempo à vanguarda mundial, revitalizando sua infraestrutura, reinstalando toda uma indústria periférica, criando milhões de novos empregos, atraindo todo o setor internacional de serviços, desenvolvendo totalmente a indústria criativa (o poder econômico desta indústria aliado ao turismo pode render tanto quanto ou mais do que o pré-sal), além de produtos brasileiros para exportação, incentivando, inclusive, a participação democrática tão necessária ao pleno desenvolvimento da cidadania, com resultados expressivos em curto espaço de tempo, através até mesmo de uma conscientização cidadã da juventude, para que ela aprenda na escola e repasse aos mais velhos.

A grande arrancada será o desenvolvimento do turismo em todos os aspectos. Pensando em como será a vida após o fim do petróleo, Abu Dhabi já criou um plano econômico para os próximos 20 anos que enfatiza fortemente o desenvolvimento da indústria do lazer e do turismo. E o Rio, que é considerado a maior vocação natural do setor, quando acordará para essa realidade?

O grande detalhe é que pelo seu potencial, se os três poderes anunciarem essa mudança de paradigma escorados por toda a sociedade, apresentando um plano de revitalização da infraestrutura e da economia com âncora no “turismo total”, apoiado em um plano diretor mostrando as previsões socioeconômicas, culturais e ambientais para os próximos anos, quem é que não irá investir aqui e pesadamente? Observe o potencial de crescimento do setor que acabou de ser apontado por estudo da BBC.

A proposta do Clube dos Treze

O jornalista Luis Nassif, em seu blog, escreveu que o turismo no Rio está em alta permanente e que a ocupação média se aproximará de um patamar médio de 80% em 2011, números próximos aos de Barcelona. A ocupação é retilínea em todos os meses e a tendência é de que os números se elevem ainda mais. Uma média anual de 70% mostra que não há baixa temporada. “Isso não existe mais no Rio”, diz o presidente da ABIH-RJ, Alfredo Lopes. Até aí tudo bem, o problema está expresso nos comentários da matéria, porque a população não está sendo nem um pouco influenciada por isso e claramente não está satisfeita.Aliás, tente rapidamente listar dez atrações turísticas da cidade. Este desconhecimento já diz tudo. O que o carioca quer é que o setor exerça o seu potencial de desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental, o que não acontece porque hoje a atividade é um jogo de cartas marcadas, onde novos players dificilmente são aceitos. O próprio prefeito reconhece isso, e já declarou: “A rede hoteleira sentou no trono e está deitada em berço esplêndido, feliz da vida com as tarifas que pode cobrar e com os poucos investimentos que precisa fazer.”

Prefeito de Barcelona na época olímpica, Pasqual Maragall afirmou que encarou grande resistência do setor, mas conseguiu superá-la. Que para as olimpíadas conseguiu fazer só cinco hotéis, mas que depois, com o desenvolvimento do setor de turismo de negócios, foram feitos mais de duzentos. O setor de feiras e congressos, hoje, é o principal indicador do dinamismo econômico em Barcelona. Lá houve uma política de união, que investiu em infraestrutura para se desenvolver com qualidade, enfrentando uma concorrência fortíssima com Madri, além das capitais europeias. Reinventada, ela atraiu o setor internacional de serviços, provocando a evolução do setor imobiliário e da construção civil (de uma forma autossustentável), que são os dois eixos sobre os quais se escoram sua atual situação econômica. Apesar da redução em 42% do número de habitações iniciadas em Barcelona com a crise de 2008, o ajuste do setor está sendo menos traumático do que em outras partes da Espanha por três razões: as prestações das hipotecas continuam sendo pagas pelo turismo, as obras de reforma cresceram 37,2% de m² a mais que em 2007 e ainda existem numerosos projetos de infraestrutura em execução. A atividade turística gerou um impacto econômico próximo a 20 milhões de euros diários em 2007 (ayuntamento de Barcelona). O detalhe é que Barcelona recebeu quase vinte milhões de visitantes, mas só sete milhões foram considerados turistas e entraram no cálculo deste impacto. Se formos adicionar o gasto dos visitantes, esses números mais que dobrarão assim como seus efeitos na economia.

Vamos usar um exemplo que todo mundo gosta de opinar: o futebol. A Rede Globo tinha o monopólio de transmissão dos jogos, não tinha interesse em mudanças e isto estava enfraquecendo os clubes, que por sua vez vendiam os craques para fazerem receitas, desencadeando um processo de degradação e corrupção que levou a seleção a ter de convocar seleções só com “estrangeiros”. Aí surgiu o Clube dos Treze, que se propôs a mudar a situação via um leilão, como se faz em todo o mundo. De repente, tudo mudou, e para se ter uma ideia do que irá acontecer, o Flamengo receberá R$ 84 milhões por ano, descontados os valores dos contratos de TV fechada e internet, que serão destinados ao Fundo de Custeio (despesas gerais de todos os clubes com passagem e hospedagem) e acrescidos às luvas do contrato de TV aberta. Muito mais do que os R$ 38 milhões/ano do triênio 2009-2011, no qual era o mais rico. Suas receitas anuais somadas podem chegar a R$ 200 milhões, permitindo assim recambiar o Ronaldinho, o que incrementou a venda de camisas em 50% (belo efeito multiplicador). O mesmo acontecerá em outros clubes observando-se as suas limitações. Está dando pano para a manga, mas… que bela mudança!

A atividade turística

E a Rede Globo aumentou seus ganhos também na mesma proporção. Como todos irão ganhar muito mais, a pergunta é: porque isso não foi feito antes? Foi preciso a ameaça de perder este monopólio para motivar uma transformação em que todos irão se beneficiar? Aqui no Rio, a situação é a mesma. A Rede Globo é a dona do mercado da informação com a saída do JB (alguém se lembra do escândalo da Proconsult, que foi denunciado por este saudoso jornal, entre outras ações democráticas que depois foram endossadas por toda a mídia?) e tenta influenciar a população usando seu poder de penetração nas massas para emplacar um projeto de especulação imobiliária que não acrescentará em nada uma economia já debilitada. Em São Paulo, onde há uma concorrência um pouco mais saudável de informações, existe uma tendência ao diálogo entre as diversas opiniões. Isto não existe mais no Rio.

Por que essa tentativa absurda de influenciar a opinião pública quando se pode reinventar a cidade com qualidade de vida, todos ganharem muito e isso se eternizar? E onde se encontra a opinião pública, a sociedade carioca?

A pergunta que não quer se calar é: onde estão os “bons”? Onde estão as pessoas sérias e que enxergam longe? Onde está a tão decantada inteligência carioca que não se manifesta? E os estudantes? As pessoas estão com medo do quê? Ora, vivemos em uma democracia plena, onde uma ex-guerrilheira assumiu o poder democraticamente, as oportunidades de reinventar a cidade estão aí e vamos perdê-las? Acorda Rio, a opinião pública precisa se manifestar. O que houve com aquela massa crítica que protestou, e muito, contra o museu Guggenheim, que tinha uma proposta infinitamente superior à do Museu do Amanhã, que até agora não definiu o que irá fazer? Por que há um despertar rumoroso das massas em todo o mundo e aqui, que podemos reinventar o Rio de Janeiro de forma exemplar, há um silêncio ensurdecedor?

Os órgãos responsáveis falam sobre atrasos que estão ocorrendo em portos e aeroportos preocupados somente com Copa e Olimpíada, como se só estes eventos fossem importantes. Em função da diminuição do preço das passagens (que ainda podem diminuir muito para serem competitivas mundialmente em função de um crescimento maciço do turismo em todo seu esplendor) e do aumento de pessoas que podem pagá-las, a atual infraestrutura do mercado turístico brasileiro, que é comparado ao americano da década de 70, pode explodir, já que apresenta crescimentos superiores a 21% ao ano (ainda sem um turismo estrangeiro forte). Não está sendo observado o potencial de crescimento do setor turístico, principalmente as condições as quais ele está sendo submetido e que são as piores possíveis em todos os aspectos. Se continuar crescendo de acordo com as atuais taxas, as obras que estão sendo feitas hoje já serão obsoletas antes da inauguração.

Talvez o leitor não entenda por que estou chamando o setor aeronáutico de turístico. Certa vez, travei o seguinte diálogo:

“Quer dizer então que se eu for a São Paulo visitar a minha mãe estarei fazendo turismo?”

“Depende. Se for visitá-la para passear com seus filhos, será turismo de lazer. Se for pedir um dinheirinho emprestado, será turismo de negócios. Se for levá-la ao médico será turismo médico e assim por diante”, respondi.

Esta falta de visão da importância da atividade turística pode ser explicada através de pesquisas. Em Barcelona 90,2% de seus habitantes concordam que a atividade turística é a que traz melhores benefícios para a cidade, porque aporta muito dinheiro para a economia (80,5%), porque cria empregos (76,6%), porque beneficia e incrementa a atividade cultural (75,8%).

Fizeram uma pesquisa no Rio (UniverCidade) que apontou que 40% dos entrevistados nunca tinham feito turismo. Mas, nem para os arredores? É a demonstração clara de que a sociedade não entende a atividade nem sua importância para a economia.

Mas isso pode e tem que mudar. Só depende da gente…

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Engenheiro, arquiteto e coordenador do Acorda Rio