‘Alckmin ou Serra? (…) Preocupe-se com o que realmente interessa.’
A frase, citada de memória, é da propaganda de uma corretora de seguros, veiculada há dias em emissora de rádio.
Foi preciso que uma campanha publicitária chamasse atenção, mesmo que indiretamente, para o quanto a mídia perde tempo em discutir quem concorrerá à presidência da República: o governador paulista Geraldo Alckmin ou o prefeito paulistano José Serra, tucanos que não disfarçam o sonho de chegar ao Palácio do Planalto.
Não que o assunto seja desimportante. Só que ainda há uma estrada pouco superior a nove meses até as eleições estaduais e federais de 2006. De que adianta especular quem tem mais ou menos chances de ‘entrar na pista’ – e isso apenas entre os mencionados nomes do PSDB, o que inclui o governador mineiro Aécio Neves, cujo ‘carro’ não é tão potente – se, pelo sistema eleitoral brasileiro, cabe aos filiados de um partido decidir quem o representará num pleito, e não, à imprensa?
O instituto de pesquisas Datafolha chegou a resultado surpreendente em sua sondagem de intenções de voto para o governo do estado de São Paulo (de novo, as eleições do ano que vem). Não é do PT nem do PSDB o líder na consulta popular: trata-se do ex-governador Orestes Quércia (1987-1990), do PMDB, que desde então nunca mais exerceu um cargo eletivo, apesar de ter tentado.
Quatro anos
‘Sou empurrado’ a disputar eleições, disse Quércia numa entrevista. No caso, aparentemente, pelo próprio Datafolha, que incluiu seu nome entre os eventuais candidatos ao Palácio dos Bandeirantes. Não me recordo de pesquisa espontânea – talvez porque, a esta altura do campeonato, pouquíssima gente estaria preocupada em saber quem ocupará a cadeira, visto que a campanha eleitoral (oficial) nem começou.
E, após outro levantamento, no qual se descobriu que José Serra bateria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno, caso o tucano concorresse (mas iriam juntos a uma eventual segunda etapa), a mídia dá a entender que Lula teria sentido um suposto baque – impressionante, é tudo no condicional!
O impacto seria uma já planejada tentativa de associar Serra à epidemia de dengue registrada no país em 2002, ano das últimas eleições presidenciais. O prefeito paulistano era, na época, ministro da Saúde e, em meio ao crescimento de ocorrências, deixou o cargo para tentar suceder Fernando Henrique Cardoso.
Adiante, Lula joga publicamente a bola de que ‘quatro anos é muito pouco’ para um mandato. Ao que um batalhão de jornalistas consulta o governador Geraldo Alckmin, outro virtual adversário, que contra-ataca ao afirmar que um quadriênio ‘é muito para um governo ruim’.
Mais do mesmo
Notícias (de verdade) mais recentes mostram, por exemplo, que Alckmin esteve em Cubatão (cidade vizinha a Santos, de onde escrevo) no domingo e afirmou, ali, sua intenção de, em março próximo, iniciar a construção do trecho sul do Rodoanel, obra viária que ligará mais facilmente a capital ao Porto de Santos, escoadouro de 25% das exportações e importações do Brasil.
Em jornais de quinta-feira (22/12), não era mais bem assim: obstáculos judiciais à realização de audiências públicas sobre o empreendimento tornavam ‘remota’ a possibilidade de que o projeto, orçado em R$ 1,8 bilhão, saísse do papel antes de dezembro de 2006. Eis, aí, algo interessante. O que faz a Justiça crer que é necessário detalhar mais o plano do Rodoanel? De fato, como essa ligação viária será útil ao cidadão e ao comércio exterior brasileiro? Não dá para baratear custos? Que fim levou a idéia de parcerias público-privadas (PPPs), tão mencionadas e pouco vistas?
Este é só um assunto que independe do clima eleitoreiro. E a mídia cumpriria sua função social de bem informar sobre temas relevantes ao cotidiano e ao futuro das pessoas, em vez de fazer aquilo que critica nos políticos: antecipar-se às eleições e esquecer da nação em favor de projetos de poder questionáveis e que não apresentam nada além de ‘mais do mesmo’.
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Repórter do jornal Diário do Litoral, de Santos (SP), e do telejornal Band Cidade, na TV Bandeirantes