Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O que será de Nayara

No caso do seqüestro de Santo André, boa parte dos meios de comunicação, em especial as emissoras de TV, caminhou na contramão da ética jornalística e do jornalismo de informações precisas e de interesse público.


O artigo 7º, inciso IV, do Código de Ética dos Jornalistas, não deixa dúvidas:




‘O jornalista não pode:


IV – expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob risco de vida, sendo vedada a sua identificação, mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou quaisquer outros sinais’.


Pois Eloá Cristina Pimentel e Nayara Silva, feitas reféns por Lindemberg, se encaixavam sem restrições neste trecho do código. Foram ameaçadas e exploradas por Lindemberg, que, de arma em punho, as deixou também em constante risco de vida. Não podiam aparecer, sequer terem seus nomes identificados.


Eloá não sobreviveu. Não vai pagar pela ausência da ética. Já Lindemberg agora está à vista de poucos da sociedade, em espaço aético que é uma prisão. Mas, e Nayara? Sobrou para ela. Vai debutar em entrevistas? Terá todos seus pedidos, entre eles a visita do atacante do Milan, Alexandre Pato, divulgados na imprensa? Se sim, qual o motivo? Nayara será explorada (novamente) até a polícia e, principalmente, a imprensa sentirem-se satisfeitas de apurar e divulgar, com minúcias, o desenrolar do seqüestro, do início ao fim trágico? Alguém pensou ou prezou, está prezando ou pensando, em Nayara, além da família e amigos próximos?


Irão dizer: ‘Interesse público do jornalismo’. Qual? Em poucos momentos ele esteve presente. Na maior parte, deu lugar à curiosidade perversa do público, repetindo a expressão de alguns teóricos do jornalismo.


Que lições?


Não passou de malograda e de mau gosto a tentativa de um telejornal de desvendar o que Lindemberg estaria pensando solitário, preso. Para quê? Afora a descrição da estrutura física da cela para onde foi levado?


Outra emissora, ao vivo, antes do desfecho do seqüestro, criticava concorrentes que ligavam para o celular de Lindemberg, pois isso poderia atrapalhar as investigações. Mas, enquanto criticava, a mesma emissora pedia para Lindemberg acender e apagar as luzes do apartamento caso estivesse assistindo ao programa naquele momento. Viva a audiência! E um fotógrafo de Santo André ainda precisou responder ao repórter de TV o que sentiu ao ver a cena do crime e fotografá-la…


Lembremo-nos de dois casos igualmente trágicos, e a respectiva cobertura da imprensa. Suzane von Richthofen, irmãos Cravinho e a crueldade do assassinato dos pais de Suzana, destrinchada até a exaustão. E a morte da pequena Isabella Nardoni e o tamanho do chinelo do pai dela, um dos sórdidos detalhes explorados diuturnamente?


Que ensinamentos e lições a imprensa produziu para o público com as coberturas desses dois episódios? Nenhum, ou quase nenhum. E agora, qual a intenção? Incentivar alguma produtora de filmes a agarrar a história de Santo André e fazer um curta ou longa-metragem sobre o seqüestro? Alguém duvida que isso vai acontecer?

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Jornalista, Juiz de Fora, MG