Diariamente somos bombardeados por informações das mais diversas espécies. Nem bem o dia amanhece e já temos em nosso colo a previsão do tempo, a quantidade de calorias do iogurte, a abertura da CPI, o discurso do papa, o falecimento de alguma personalidade, o resultado das eleições do outro lado do mundo, o lançamento de um livro, a cotação do dólar, o atentado terrorista no Oriente Médio, o divórcio do artista de TV, a greve dos trabalhadores, o resumo da novela e outros infinitos dados que compõem o nosso leque de atenção.
Tempos atrás o acesso a estas informações era vagaroso, pois dependia necessariamente do jornal impresso, do rádio ou da televisão. Revistas especializadas eram consideradas o “grão-mestre” da informação, e suas assinaturas, artigos de luxo. Hoje o cenário da informação está bastante alterado, temos as redes sociais, os comunicadores instantâneos para celular e computador, a transferência de dados, o compartilhamento de mídias e sequer necessitamos nos dar ao trabalho de selecionar aquilo que nos interessa, visto que os filtros de conteúdo fazem isto por nós. Em outras palavras, a tecnologia alterou nossos hábitos, costumes e, ao que parece, nossa cultura ética (KEEN, 2007).
“A internet e a tecnologia digital tornaram o mundo menor. Não foi a primeira vez que isso ocorreu, mas agora há a instantaneidade global. Os jornalistas aprendem a buscar informações em agregadores, como Google, YouTube, Wikipédia e em muitas outras ferramentas que estão à disposição do público em geral. Por essa razão, ele também atua na divulgação de notícias, ainda que de forma dispersa e descontrolada, e cabe ao internauta acreditar ou não no que recebe em seu smartphone, tablet ou qualquer outro dispositivo. Isso quer dizer que as notícias estão cada vez mais portáteis, personalizadas e participativas” (BARBEIRO E LIMA, 2013, p.29).
Exercício diário de inteligência e caráter
Pelas palavras de Barbeiro e Lima (2013), o objetivo básico da informação é gerar conhecimento e este, segundo o dicionário brasileiro de língua portuguesa, é “ato ou efeito de conhecer” (TERRA, 2014, p.856), isto é, trazer à consciência para construir o Saber. Entretanto, se não utilizada de modo adequado, a tecnologia e todo esse excesso de informações, principalmente entre os jovens, já que estão mais expostos e vulneráveis a ela, pode resultar em um efeito oposto ao esperado.
Cada vez mais as pessoas estão se tornando “doutores em tudo”. Falam daquilo que conhecem e, principalmente, daquilo que desconhecem ou conhecem superficialmente. Não é difícil encontrar quem discuta política, religião, mobilidade urbana, futebol, física quântica e as novas descobertas biológicas de um modo quase natural ou, por que não dizer, especialista.
Este é o tempo dos calouros que “refutam” vinte anos de pesquisa científica com um argumento copiado da Wikipédia, o tempo onde todo mundo tem um diagnóstico, uma teoria ou uma opinião. Contudo, este abuso intelectual é muito menos efeito da abundância de informações do que da ausência de ceticismo investigativo e de espírito ético de quem as recebe.
“A ética é uma reflexão crítica sobre a moralidade; ou seja, é um conjunto de princípios e disposições historicamente produzidos voltados para a ação cujo objetivo é balizar as ações humanas. Ela existe como referência para os homens em sociedade, e está associada à ideia de conduta virtuosa e a valores como dignidade, justiça, honestidade, solidariedade. Além disso, ela pode – e deve – ser incorporada por todos como atitude diante da vida cotidiana, mas é preciso ressaltar que não se trata de um conjunto de verdades críticas, imutáveis” (BARBEIRO E LIMA, 2013, p.01).
Cláudio Abramo, citado por Barbeiro e Lima (2013, s/n), dispõe que “o jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”. Por tudo, ninguém há de negar a importância dos veículos de comunicação em nossa sociedade e do papel essencial que desempenham, protagonizando a interlocução entre o fato e o leitor em suas mais complexas relações, porém se é dever da mídia informar e nutrir a comunidade, também lhe cabe a obrigação de resgatar o espírito ético do público, de modo a não aceitar verdades absolutas e, tampouco, formulá-las.
Referências
ADAMS, Paul C. Geographies of media and communication: a critical introduction. United Kingdon: Wiley-Blackwell, 2009.
BARBEIRO, Heródoto; LIMA, Paulo Rodolfo de. Manual de jornalismo para rádio, TV e novas mídias. 1ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
KEEN, Andrew. The cult of the amateur: how today’s internet is killing our culture. New York: Doubleday, 2007.
Schmitz, Aldo Antonio. Fontes de notícias: ações e estratégias das fontes no jornalismo. 1ª ed. São Paulo: Combook, 2011.
TERRA, Ernani. Dicionário da língua portuguesa. 2ª ed. Blumenau: Bicho Esperto. 2014.
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Victor Bacelete Miranda é pesquisador e mestrando em Filosofia