‘Acabo de regressar da Europa. Lá como cá, os jornais investem pesado na tentativa de fidelizar leitores etc. etc.’ Este é o arrebatador início da maçaroca quinzenal assinada pelo guru da mídia, Carlos Alberto Di Franco [O Globo (pág. 7) e O Estado de S.Paulo, (pág. 2) de segunda-feira (6/10)].
Não é preciso ir à Europa, à Espanha ou mais precisamente a Navarra para saber o que está acontecendo na mídia impressa no Novo e no Velho Mundo. Ela não está se reinventando. Está desabando.
Basta ler El País, um dos melhores jornais da atualidade, escrito num idioma capaz de ser entendido pela maioria dos brasileiros de nível superior e que pode ser entregue na porta junto com os jornalões locais. É caro, custa 8 reais, mas a leitura da edição de sábado e/ou domingo é suficiente para satisfazer as necessidades daqueles que precisam entender a conjuntura mundial em qualquer esfera.
Pois o denso e fascinante El País começou a publicar no sábado (4/10) a cobertura preliminar da 64ª Assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), que congrega 1.300 publicações das Américas e Europa e que pela primeira vez se reúne em Madri.
Aqui surge o primeiro mistério: por que razão o evento madrileno está sendo praticamente ignorado pela mídia impressa brasileira reunida em torno da Associação Nacional de Jornais (ANJ)?
Se a entidade brasileira sempre foi o braço local da SIP, como explicar o súbito silêncio em torno do evento anual da entidade? Alguma ruptura entre os grandes? Alguma birra ideológica entre a turma de Miami (à qual a ANJ sempre esteve ligada) e o grupo Prisa (que edita o diário espanhol), à sua esquerda, anfitrião desta cúpula?
Matriz das distorções
Convém registrar que, depois do México, os EUA são o segundo país hispanófono do mundo – e em 2050 serão certamente o primeiro. A investida do El País em cima da SIP é um lance político de alta significação, além de brilhante jogada de marketing global. Daí o empenho do governo espanhol em prestigiar a Assembléia com a presença do rei Juan Carlos, do chefe do executivo José Luis Zapatero, do ex-premier Felipe González, e de diretores dos grandes jornais liberais ou progressistas como The Washington Post e Le Monde.
Alguns jornalistas brasileiros estiveram presentes à Cumbre del Periodismo (Cúpula de Jornalismo) na capital espanhola e certamente devem explicar o que efetivamente aconteceu na mídiaesfera ibero-americana. Este Observatório da Imprensa está à disposição.
Por ora interessa a surpreendente notícia publicada pelo tablóide espanhol em sua edição de sábado (4/10), na página dedicada à cobertura da Cúpula de Jornalismo (ver aqui): o presidente francês Nicolas Sarkozy, um dos mais extremados defensores das leis de mercado, produziu um documento sobre a sobrevivência da mídia impressa francesa que está sendo bem avaliado por todos os setores.
Os desdobramentos dessa agenda serão coordenados por um socialista, Bernard Spitz, e englobam questões de grande relevância e urgência:
**
O futuro das profissões jornalísticas;**
O processo industrial da imprensa;**
A imprensa digital;**
As relações da imprensa com a sociedade.O dado novo é que alguns dos relatórios serão produzidos pelos jornalistas franceses aos quais foi dado o prazo de dois meses para elaborar propostas destinadas a melhorar a qualidade e a competitividade da imprensa francesa. Nada de consultorias ou pressões corporativas, Sarkô quer jornalistas cuidando do futuro do seu ofício.
No mesmo documento, o presidente francês vai sugerir modificações na lei que proíbe a concentração da mídia. É desconhecido até agora o teor das modificações que Sarkozy vai propor. Mas a questão é central, matriz das distorções que relativizam o projeto sempre sonhado e raramente alcançado de uma imprensa livre, responsável e isenta.
Perigo no ar
A Cúpula de Madri ocorre num momento de grande perigo. A crise financeira internacional vai certamente forçar uma desconcentração dos meios de comunicação. Impossível gerir mastodontes empresariais no exato momento em que ficou transparente a responsabilidade dos executivos de grandes conglomerados financeiros no crash mundial.
A recessão e/ou a queda acentuada do ritmo de crescimento na maioria dos países, associadas às dificuldades de crédito, vão produzir inevitavelmente um desmembramento dos grandes grupos jornalísticos. As empresas terão que ser enxugadas – sobretudo as gigantes, responsáveis por mais desperdício e mais redundâncias.
A montagem de grandes operações digitais paralelas exigirá investimentos proibitivos que certamente afetarão as atividades-fim. A implantação de empresas multimeios terá que ser adiada sob pena de apressar a quebradeira geral no setor.
O meteorito que vai acabar com os dinossauros da indústria jornalística foi o mesmo que liquidou instituições financeiras seculares: uma bolha, a bolha hipotecária americana. Nosso amigo foi à Europa e não viu a cena mais importante do mais empolgante romance escrito pela dialética: o Senhor Mercado não manda mais.
***
Em tempo, às 14h10 de 7/10: A grande imprensa brasileira segue ignorando completamente a 64ª Assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Na edição desta terça, dia 8, nenhuma linha sobre o assunto na Folha, uma notícia secundária no Estadão.