O sensacionalismo é marca inevitável do jornalismo brasileiro? A resposta encontra-se em grande parte dos veículos comerciais impressos, radiofônicos ou televisivos, nos quais o fazer jornalístico exprime seus conteúdos ágeis e brandos, quase sempre motivados pela filosofia capitalista da “maior produção no menor tempo”. Esse jornalismo de revoada – produzido a partir de flanagens rápidas sob os fatos – também nos instiga a alguns questionamentos sobre a própria atuação do jornalista que, imerso na roda alucinante da produção quantitativa, muitas vezes se obriga a sensacionalizar fatos em troca da estabilidade profissional. As ações desse jornalista são comandadas pelas regras comerciais do campo publicitário, onde a produção, a compra e a venda se aliam a um vasto público receptor que consome e descarta cada vez mais em um tempo menor.
Para onde vai a possível alma do “fazer jornalismo-jornalista”? Eduardo Galeano, em O livro dos abraços, nos oferece boas pistas para esta questão:
“Me faz bem recordar uma lição de dignidade da arte que recebi há anos, num teatro de Assis, na Itália. Helena e eu tínhamos ido ver um espetáculo de pantomima, e não havia ninguém. Ela e eu éramos os únicos espectadores. Quando a luz se apagou, juntaram-se a nós o lanterninha e a mulher da bilheteria. E, no entanto, os atores, mais numerosos que o público, trabalharam naquela noite como se estivessem vivendo a glória de uma estreia com lotação esgotada. Fizeram sua tarefa entregando-se inteiros, com tudo, com alma e vida; e foi uma maravilha. Nossos aplausos ressoaram na solidão da sala. Nós aplaudimos até esfolar as mãos.”
A fatalidade publicada pelo avesso
Não há dúvida de que o sensacionalismo constitui boa parte da prática jornalístico-comercial contemporânea. O jornalismo “fazer por fazer”, que condiz com o hábito de produzir em troca de audiência ou do patrocínio, já compromete o seu precioso argumento: “A imprensa apenas reproduz fatos; apenas os relata de maneira imparcial.” Quer dizer, prova contrária a esse mandamento do jornalismo factual é a onda sensacionalista que permeia o chamado novo jornalismo, o da emoção contínua ou o das reportagens requentadas – como foi a do jornal gaúcho Zero Hora sobre o MST –, produzidas com a câmera escondida ou através de outras desonestas habilidades.
O sensacionalismo toma conta?
Não dá para duvidar. O jornalismo comercial, valendo-se do sensacionalismo produz o preconceito, a desinformação e a intensificação do sofrimento, tanto das pessoas que serviram de matéria-prima à produção, como para os diversos receptores que a consumiram. Assim, quem sofre mais com o sensacionalismo: o jornalismo, o receptor ou suas vítimas midiatizadas? Todos pagam o preço?
Em grande medida, o jornalismo sensacionalista induz à prática de novos crimes, pois ao hiper-escancarar a face do criminoso e do episódio também banaliza os fenômenos da criminalidade. Aparecer no Jornal Nacional por mais de 15 minutos é para poucos, alegram-se traficantes e demais políticos, que fazem desse jornalismo espaço de projeção e de reconhecimento social. O jornalismo sensacionalista tem contribuído para o agravamento das situações relacionadas ao mundo do crime?
Dentre inúmeros exemplos, o caso de suicídio da atriz Leila Lopes é revelador. A fatalidade foi publicada até pelo avesso. Ou seja, até mesmo as versões de o que seria dela sem ter cometido suicídio foram matéria para uma edição inteira do Mais você, apresentado em alto astral por Ana Maria Braga. Outras reportagens sobre o caso Leila Lopes foram a fundo, explicitando as fotos do frasco de veneno, o nome do veneno, a carta de despedida por ela deixada, as simulações do ato, dentre inúmeras outras encenações ou dramaturgias possíveis.
Nem alma, nem sensibilidade
Seria possível pensar o jornalismo como uma prática imune à (re)produção desses horríveis episódios? Será apenas idealização a possibilidade de um jornalismo que informe sem agredir ninguém? Cremos que essa possibilidade se afasta enquanto o jornalismo for simplesmente uma prática guiada pela guerra por audiência ou pela lei das vendagens ilimitadas. Vale a pena subsumir uma possível ética existente em detrimento da conquista de audiências massivas e lucrativas?
Não poderíamos deixar de fora o jornalismo comercial e sensacionalista que se pretende popular, como aquele que incorpora o hábito da voz alternativa e, tal como manda o figurino, atua como representante do povo, autodenominando-se o pai dos desvalidos. Mas nos bastidores, enriquece-se nas costas da desgraça e do sofrimento alheio. É assim que o jornalismo sensacionalista vende a sua verdade ilusória, especialmente quando se diz a salvação ou o porta-voz de todos os problemas sociais.
No Rio Grande do Sul, a última feita do jornal Zero Hora, do Grupo RBS/Globo, foi emitir juízos sobre a questão da reforma agrária. Trata-se de uma reportagem dominical, muito bem colorida e ilustrada, mas carente de conteúdo. Sua base argumentativa é superficial, apresentando dados quantitativos questionáveis, regionalizados e descontextualizados de outros fatores que compõem o complexo e histórico problema agrário. Tal reportagem, embalada pela agenda do Abril Vermelho, é a prova de um jornalismo nada criativo; que sobrevive de pautas requentadas; que sensacionaliza vidas marginalizadas e que de alma ou sensibilidade pouco possui ou entende.
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Respectivamente, radialista e doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e graduando em Comunicação Social – Jornalismo na Unisinos