Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O sentido para o jornalismo

Uma das grandes questões do jornalismo é justamente o exercício da profissão ligado à sua formação (especialista vs. generalista). Interlocutor social que dialoga com inúmeros agentes enunciativos e tramita por várias áreas da sociedade, o jornalista entrevista juízes, médicos, cientistas, agentes de limpeza, moradores de rua, domésticas, empresários, políticos. O jornalista apresenta visões do fato, por isso, uma idiossincrasia, ou um conjunto delas. Dessa maneira, molda-se o desafio para esse agente social de discorrer sobre uma diversidade de temas sem se perder. O problema: dessas miríades de visões de mundo, ainda desvelar o fato aos leitores, telespectadores ou ouvintes.

Isso leva o jornalista, por mais especializado que seja, a buscar uma formação permanente, polissêmica e que consiga um mínimo diálogo com os estudiosos e especialistas, para assim cumprir seu papel primordial de informar. Saber dialogar com suas fontes é apresentar-se com ‘sandália da humildade’, resumida na máxima socrática ‘só sei que nada sei’, sem perder a esperança de transmitir algo verossímil que possa também dialogar com o receptor das informações, concedendo valores e sentido para vida.

Num tempo em que as ciências, o mercado de trabalho e a sociedade em geral exigem uma fragmentação do profissional – ‘sabe-se cada vez mais de cada vez menos’ –, há uma fragmentação da realidade. As pequenas narrativas são características de mudança de época que a civilização ocidental passa. Elas parecem substituir as grandes narrativas que até agora sustentaram e moldaram a maneira de pensar da sociedade desse hemisfério que vê a vida como partes separadas, desvinculadas da história. Além disso, a global universalização dos sistemas comunicacionais e da economia de mercado minou outras alternativas de grandes narrativa. Ela exige profissionais capazes de responder aos ditames do capital. Desse modo, há uma fragmentação que insere o sujeito numa pragmática desconectada, totalmente desvinculada do todo, incapaz de dialogar com saberes diversificados ou mesmo contraditórios ao pensamento dominante (tecnocrático, capitalista, ocidentalizado e preconceituoso).

Narrar o cotidiano

O jornalismo, como narrador do cotidiano, cumpre o papel de fazer essas pequenas narrativas e, como tal, apresentá-las a sociedade. Esse instrumental pode alienar, pois tenta substituir as grandes narrativas por esquemas perversos e ilusões de pequenos triunfos individuais no campo econômico, político, científico e social. A conquista de um pequeno empresário, de um profissional liberal ou mesmo o parecer de um especialista sobre um assunto, evidencia-se muito mais do que as visões de alguma instituição, as visões filosóficas analíticas da realidade, as ontologias do ser e as narrativas de comunidades simples, ou mesmo narrativas orientais seculares. As mínimas histórias parecem querer cessar as macro-narrativas. Por isso mesmo, decretar seu fim. As grandes narrativas, tentativas de responder a essas questões de uma forma holística e unitária, passam a ser ridicularizadas, rejeitadas e combatidas. Ao fazer isso, cessa a intrínseca questão humana do por quê do mundo, do sentido da vida.

No entanto, é preciso que o jornalista assuma um papel ecológico: ocasionalmente especialista, mas necessariamente holístico. Sua ação deve voltar-se à pesquisa, ao debate, à análise, à formação permanente e à polissemia de valores e saberes, passos necessários que proporcionam à profissão uma dignidade capaz de consolidar ainda mais o papel do jornalista na sociedade contemporânea.

Superar a armadilha da fragmentação histórica, econômica, filosófica, científica e narrativa é um desafio ao jornalista neste momento de mudança de época. Tem-se a tarefa hercúlea de narra o cotidiano e não perder de vista a referência ontológica da vida. Ou seja, não adentrar o lodaçal profissional pragmático sem crítica que pode levar o jornalista ao niilismo existencial, ao desespero e à negação de um propósito maior, magnânimo, humano e, como diria o filósofo contemporâneo André Comte-Sponville, alcançar a beatitude. Narrar o cotidiano é compor-se dentro de uma jornada histórica, de uma teleologia visionada, compreendida segundo um pensamento unitário, holístico, ou seja, inserida dentro de uma grande narrativa.

Elucidações amplas

É evidente a emergência de uma nova grande narrativa. Aqui apresenta a ecológica em nível mental, social e ambiental. Ela surge em meio à crise civilizacional que atualmente perpassa o Ocidente. A ecologia, assim, apresenta-se como uma maneira de responder a essa nova época, interagindo e formando valores, dando sentido à vida e ao cotidiano narrado pelo jornalista. Pois uma das funções evidentes das grandes narrativas é re-ligar o ser humano ao todo, para que ele não se perca existencialmente nos fenômenos que testemunha, estuda, analisa e descreve.

O jornalismo, narrador por excelência do cotidiano, não pode jamais perder o foco da existência humana por causa de uma práxis fragmentada. Para tanto, foi apresentada nesse Observatório a ecologia como ‘Um leque para a práxis comunicacional‘. Como tal, são necessárias sensibilidade profunda e formação permanente. Assim, é preciso que a fala fragmentada e instrumentalizada por uma visão reducionista seja substituída por elucidações verdadeiramente amplas, munidas de uma essência cheia de dignidade e sentido de vida. Por fim, o cotidiano terá saber e sabor necessário à realização profissional do jornalista, e dos receptores da informação numa re-ligação ao todo.

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Jornalista, escritor e pós-graduando em Meio Ambiente e Desenvolvimento no Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão Socioambiental (Cepesa), na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), em Itapetinga-BA