A Folhalançou o Folhaleaks, um canal da Folha.com para receber informações e documentos que possam merecer uma investigação jornalística. A ideia é interessante. É mais uma ferramenta para pescar denúncias de fontes anônimas – na minha opinião, o maior nicho de notícia do mundo, porém difícil de ser conquistado pelo mercado convencional. Copiando o X-9 da polícia, o Folhaleaks seria o X-Net, a versão moderna e virtual do informante da Redação. O receio que tenho é de que isso venha a burocratizar de vez a atividade jornalística.
No mais, jornalismo investigativo é assim mesmo. Se pudesse, contrataria hackers para pescar informações na internet. Aliás, o FBI já faz isso. Quem acompanhou a minha carreira, sabe que sempre usei bandidos para pegar bandidos. Este antídoto sempre deu bons resultados. A busca de informações alternativas é que faz a diferença na vida de um repórter. Este tipo de jornalismo de profundidade – que chamam de investigativo, como se essa não fosse uma prerrogativa do ofício – é focado exatamente nas fontes alternativas de informação. Já o jornalismo oficial trabalha por osmose, ou seja, copia informações de boletins de ocorrência, inquéritos, relatórios e tudo mais que vê pela frente, sem qualquer esforço do repórter para fugir disso.
É preciso destacar que os meios utilizados pelas autoridades judiciais para apurar um fato são diferentes dos praticados pelos meios de comunicação. A coerção da polícia, por exemplo, inibe a informação, que a ela é dada normalmente à luz do Direito. Ou seja, o cidadão, quando se senta no banco dos culpados ou da testemunha para relatar um fato, o faz após consulta ao advogado. Já para o repórter não há essa prevenção. Até porque a maioria das entrevistas jornalísticas são de improviso. Essa é a grande diferença entre o fato policial e o fato jornalístico.
Moralidade dos serviços públicos
Portanto, essa linha paralela proposta pela Folha para a obtenção de fatos inéditos é muito importante porque faz uso de uma ferramenta indispensável. A internet é um lugar comum, de muitas mentiras e bobagens; mas tem ouro, como no garimpo, onde quase tudo é desperdiçado, menos o vil metal. Antes da internet, essas informações eram buscadas na rua, por meio de um trabalho de contra-informação, ou seja, o repórter era obrigado a infiltrar-se no submundo para obter a informação desejada. Com a googlemania, esse trabalho – que já era raro nas redações – foi desaparecendo, até porque o informante passou também a utilizar a internet para se comunicar.
Aliás, parte da nova geração de repórteres torce o nariz para esse trabalho de investigação a céu aberto com o argumento de que ele é perigoso e antiético. Realmente, misturar-se a bandido, seja por qual motivo for, é perigoso, mas é eticamente correto. Caco Barcelos sempre trabalhou assim. Eu e Policarpo Junior, editor da Veja em Brasília, começamos a carreira fazendo isso de parceria. Caco reclamou na Globo News outro dia que a imprensa está cometendo muito erro. “Na pressa de denunciar, pega muita gente inocente”, ele disse. Chamo isso de pescaria de rede. Isso ocorre não apenas pela pressa de denunciar. O problema está na forma de lidar com o jornalismo de dossiê, que é complicado. Se o trabalho não é bem feito, vira denuncismo.
A compreensão que tenho de tudo isso – inclusive, desse novo trabalho da Folha – é de que se a nova geração de repórteres aprender a lidar com esses calhamaços e com a emoção – peca-se muito pela pressa, como disse Caco –, ela vai contribuir muito para a moralidade dos serviços públicos. Principalmente se souber fazer bom uso dessa ferramenta extraordinária que é a internet.
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[José Cleves é jornalista, Belo Horizonte, MG]