Este foi o tema do debate promovido pela revista Época (ed. 513, 17/03/2008). Os especialistas convidados para discutir o assunto, Jorge Hage, ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), e Roberto Romano, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Campinas, tiveram, cada um, direito a um artigo de abertura, outro de réplica e mais um com argumentos finais. Inicialmente, para discutir a questão, o ministro Hage sustentou a tese segundo a qual o Brasil avançou muito no combate à corrupção, principalmente nos últimos cinco anos, embora ele reconheça que a deterioração moral na esfera política seja um mal que sempre existiu, tanto no Brasil quanto em qualquer país do mundo. ‘A nossa administração pública, por força de uma cultura fortemente patrimonialista no modo de ver o Estado – sem distinção dos limites entre o público e o privado – sempre foi um campo fértil para as mais variadas formas de corrupção.’
O ministro enumerou um conjunto de fatores que, em sua opinião, são os responsáveis pelo sucesso do combate à corrupção: ‘1) a chegada ao poder de um partido político e de um presidente que representavam o novo, a mudança, e que sempre privilegiaram, em seu programa e em seu discurso, o combate à corrupção; 2) a efetiva autonomia permitida às áreas do governo incumbidas dessa missão – Controladoria Geral da União e Polícia Federal, essencialmente – para agir nesse sentido; 3) a total independência garantida ao Ministério Público, refletida na nomeação de procuradores-gerais do porte de Cláudio Fonteles e Antonio Fernando, que fazem contraponto marcante com o anterior PGR, que lá ficou por oito anos sem jamais ‘incomodar’ o governo, nem deixar que qualquer procurador o fizesse; 4) o especial sabor que apresentou para a mídia a oportunidade de divulgar, como espetaculares escândalos, todas as mazelas do atual governo – e este as tem, como todos os anteriores as tiveram – tanto as que mereciam, quanto as que não mereciam esse relevo.’
Iniciativa válida
Tais argumentos não encontraram apoio no professor Romano, que disse não concordar com alguns pressupostos colocados pelo ministro, em especial quando ele expõe opiniões meramente partidárias, em vez de fundamentar suas razões no âmbito político. ‘O dr. Hage elogia a autonomia do Ministério Público, como se fosse autorizada pelo atual governo e não representasse uma conquista da Carta, em 1988. Mas promotores têm direito pleno de investigar a corrupção? Quanto à PF, louve-se o empenho. Mas por que tantas quadrilhas desmanteladas, com ramos políticos, não resultam em penas rigorosas?’ Continuando, ele afirma que ‘a corrupção é algo mais grave do que interesses de partido; ela é uma questão social e de Estado inscrita na alma política do Brasil’. O Brasil, na opinião do professor, piorou muito no combate à corrupção e aponta outros elementos de ordem política, social, jurídica, ideológica e de mercado que operam para impedir qualquer avanço. ‘Um deles é a instauração do privilégio de foro para os políticos corruptos. Por causa disso, é praticamente impossível punir um ato de improbidade administrativa, de atentado ao decoro e de desvio de dinheiro dos cofres públicos.’
Mesmo criticando as falhas no combate à corrupção, o professor Romano não se esquiva de fazer elogios ao trabalho da CGU, louvando os seus métodos e alvos. ‘Louvo o ministro Hage e o respeito. Mas não silencio mazelas que, com clareza lógica e fundamentos empíricos, indico não dependerem dele ou de sua instituição, nem mesmo do MP ou da Polícia. Retomo: a corrupção brasileira é sistêmica, ela ainda sequer foi mapeada, quanto mais combatida com a necessária firmeza, amplidão e profundidade. Esforços heróicos, entre eles os de pessoas como Hage, não absolvem a massa de operadores do Estado e da sociedade imersos em privilégios, uso dos bens públicos em proveito próprio, tudo sob o manto do passaporte para a delinqüência, chamado privilégio de foro.’
O encontro de idéias promovido pela Época foi uma iniciativa válida. Apesar de representarem opiniões diametralmente opostas, os artigos foram de alto nível e serviram, principalmente, para os leitores tirarem suas próprias conclusões sobre a decomposição dos valores éticos e morais que marca o Estado brasileiro e a alma do seu povo. Que outros meios de comunicação trilhem esse caminho e tragam pessoas qualificadas, como os dois participantes desse primeiro encontro, a fim de, com suas somente opiniões abalizadas, contribuírem para pensar o modelo de sociedade que se deseja daqui para frente.
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Jornalista, Salvador, BA