Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Brasil entre duas colunas

Uma nota curta na edição desta terça-feira (3/12) da Folha de S. Paulo informa que a Guarda Civil Metropolitana vai fazer plantão 24 horas por dia no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), até o próximo dia 15. Esse é o período previsto para a exibição da mostra de fotografias “A Terra Vista do Céu”.

O texto observa que a medida foi tomada pelo prefeito Fernando Haddad depois que a própria Folha revelou que moradores de rua e usuários de drogas haviam ocupado aquele espaço, inclusive com barracas. A reportagem acrescenta que só haverá prisões se houver flagrante de tráfico, e que um plano para ser implantado depois do dia 15 ainda está sendo preparado pelas autoridades da segurança pública.

A notícia se segue a uma controvérsia levantada pelo curador do museu, José Roberto Teixeira Coelho, que chegou a defender a construção de uma cerca em torno do prédio, considerado uma das obras mais importantes da arquitetura moderna. A proposta provocou indignação em muitos cidadãos, que encheram as redes sociais com imagens mostrando o museu emparedado ou cercado com arame farpado.

A polêmica se estendeu por campos ignotos, indo bater no paredão da dicotomia que divide toda questão pública em elitismos e populismos: para uns, o poder público se omite ao deixar aquele espaço nobre da cidade aberto para qualquer pessoa; para outros, o curador do museu repete a tradição de excluir dos lugares públicos os personagens incômodos da sociedade desigual. Até mesmo o direito de reunião e manifestação foi colocado em debate, uma vez que o vão livre do Masp tem sido ponto de concentração para as muitas passeatas que cruzaram a cidade nos últimos tempos.

A nota curta da Folha, apenas noticiando a medida tomada pela prefeitura, não avança na questão principal, que é a complicada distribuição de direitos entre habitantes e frequentadores do espaço comum, um desafio que o modelo de planejamento urbano modernista-desenvolvimentista não consegue resolver.

Acontece que os jornais brasileiros ainda não chegaram a este ponto do debate sobre a vida contemporânea: para a imprensa, grosso modo, projeto urbano sustentável é mais ou menos uma rua com árvores.

Uma visão limitada

A discussão sobre o uso ideal do espaço privilegiado entre as colunas do Masp envolve desde a presença de barracas de moradores de rua até a permanência da feira de antiguidades que se realiza naquele local aos domingos. Para uns, os sem-teto são o cúmulo da degradação; para outros, o “mercado de pulgas” chique é intolerável, porque elitista e excludente.

Há quem prefira o espaço livre para manifestações culturais e políticas de todos os tipos, outros defendem a criação de um código de uso, com responsabilização dos organizadores sobre qualquer dano ou sujeira que venha a ser causado.

Em geral, o debate veiculado pela imprensa e as opiniões expostas nas mídias sociais se concentram nas questões arquitetônicas e ambientais, ou seja, nos aspectos físicos da vida urbana, mas as controvérsias do tipo que envolve o Masp precisam incluir as contribuições da antropologia e até mesmo da comunicação, como, por exemplo, os conceitos de espaço público físico e virtual.

Curiosamente, a maioria das opiniões publicadas pelos jornais se concentra no âmbito da segurança pública, tanto que a solução anunciada para os próximos dias será embalada nos quartéis da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana.

O pano de fundo desse e de outros debates contaminados pelo “fla-flu” da política segue sendo condicionado por visões igualitaristas ou elitistas sobre os direitos de uso da cidade, mas há muitas nuances entre esses dois extremos que precisam ser observadas. A imprensa poderia dar uma contribuição valiosa para expandir a visão sobre problemas desse tipo, se não estivesse mais interessada em cultivar a irracionalidade presente na questão política partidária, que contamina toda a agenda pública.

Uma fonte interessante, por exemplo, é o conjunto de pesquisas da antropóloga brasileira Teresa Caldeira, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que estuda o corte entre o desenvolvimento da democracia política e a deslegitimação da democracia civil no Brasil pós-ditadura, com o aumento da segregação dos mais pobres e o encarceramento dos ricos em condomínios fechados. Essa é uma das mazelas da democracia brasileira que o radicalismo político ajuda a ocultar.

Pode-se dizer que tudo no Brasil é condicionado por essas duas linhas de colunas, como o vão – não tão livre – do Masp.