O contador do bicheiro Carlos Cachoeira se entregou à polícia. Esta notícia, estampada com destaque nas edições de terça-feira (15/1) dos principais jornais do país, obriga a imprensa, teoricamente, a trazer de volta à agenda dos debates a questão da vulnerabilidade do sistema político à ação de grupos criminosos organizados.
Mas a experiência recomenda cautela: nenhum dos grandes jornais tem manifestado um apetite sequer moderado para esse assunto. As ações de Carlos Cachoeira, que chegaram a produzir muita excitação nas redações durante alguns meses do ano passado, escorregam para um plano secundário no rankingdos escândalos preferidos pela imprensa.
Exceto pelos registros fotográficos documentando as férias do contraventor e sua nova esposa, cujas farturas foram expostas num hotel de luxo no litoral da Bahia na primeira semana do ano, os jornais não demonstraram interesse em vasculhar as razões pelas quais ele tem podido gozar de tamanho bem-estar, com a carga de delinquências que lhe é atribuída.
Não fosse o risco de levantar a poeira do partidarismo que envenena todas as manifestações a respeito, seria o caso de comparar, por exemplo, a inapetência da imprensa com relação a Cachoeira e a sanha que se desencadeou nos jornais, no apagar das luzes de 2012, na defesa da prisão imediata dos condenados do escândalo chamado de “mensalão”.
“Reserva moral”
Mas passemos ao largo dessa questão, por excessivamente demonstrada a seletividade da imprensa quando se trata de noticiar os malfeitos no campo da política. Voltemos, portanto, ao caso do contador Geovani Pereira da Silva.
Desaparecido por dez meses e quinze dias, ele estava, pelo que dizem os jornais, escondido numa chácara a 65 quilômetros de Goiânia, a base de lançamento da carreira de Carlos Cachoeira, que na última década se transfigurou de reles bicheiro provinciano em parceiro de grandes negócios com governos de todas as instâncias.
O contador é peça-chave no processo desencadeado pela investigação que a Polícia Federal batizou de Operação Monte Carlo. Seus próximos passos deveriam merecer grande atenção da imprensa.
Com muita certeza, o contador considerou que a tranquilidade com que seu chefe circulava na orla baiana, em aprazível lua-de-mel com a nova esposa, seria inversamente proporcional à sua segurança pessoal.
Carlos Cachoeira, condenado por sua ação como chefe de uma quadrilha dedicada à exploração de jogos de azar, tem seu destino dependente do que Giovani Pereira da Silva estiver disposto a relatar à polícia. Já se sabe, por exemplo, que o contador era o portador das grandes quantias com que o bicheiro remunerava seus parceiros na política, e teria sido o responsável pela entrega de R$ 1 milhão ao ex-senador Demóstenes Torres, que foi em outros tempos o porta-estandarte da moralidade no Partido Democratas.
A chave da cadeia
Os jornais de terça-feira (15) compram a versão oficial segundo a qual Giovani da Silva resolveu se entregar apenas para evitar o constrangimento de vir a ser algemado e exposto à execração pública pela televisão, uma vez que os agentes da lei já estavam rondando seu esconderijo.
O Globo insinua mesmo que ele não deverá permanecer detido por muito tempo, uma vez que seu advogado já pediu a revogação de sua prisão: o recurso deverá ser julgado pelo desembargador Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o mesmo que determinou a soltura de Cachoeira e dos mais de trinta acusados no inquérito policial.
Para a imprensa, é apenas isso, mas histórias semelhantes têm apresentado desfechos mais elaborados. Como no caso do mafioso Al Capone, o contador é a chave da cadeia para Cachoeira e seus sócios poderosos, e mesmo nos roteiros de romances policiais de quinta categoria, seria de uma ingenuidade ofensiva acreditar que possa reconquistar a liberdade em curto prazo. A não ser, é claro, que aceite uma oferta de delação premiada.
Ele foi condenado, em dezembro, a 13 anos e 4 meses de prisão, por corrupção e formação de quadrilha. Deve responder ainda por evasão de divisas, lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos e outros delitos ainda não divulgados pela Polícia Federal e que vão bater nas costas de seu chefe.
Quando ganhou do desembargador Tourinho Neto as férias na Bahia, Carlos Cachoeira já estava condenado a 39 anos de prisão. A vida de Giovani Pereira da Silva não vale uma moeda de três reais, e os jornais dizem que ele se entregou para não aparecer algemado no Jornal Nacional.