Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O expurgo no Ipea era só um pedaço da história

Guinada à vista na política econômica: esta foi a grande notícia dos cadernos de Economia, na semana de 18 a 24/11. A virada poderá ser gradual ou até limitada, se o presidente da República hesitar, mas já começou e seus defensores proclamam grandes objetivos. Querem maior expansão do gasto federal – e uma política monetária mais folgada, provavelmente com maior tolerância à inflação. A meta, segundo alegam, é um crescimento econômico mais veloz.

Essa história foi um desdobramento de outra cobertura. O economista Márcio Pochmann, novo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afastou quatro economistas não-alinhados à política fiscal – Fabio Giambiagi, Otávio Tourinho, Regis Bonelli e Gervásio Rezende. A primeira matéria, assinada por Guilherme de Barros, foi publicada na Folha de S.Paulo (15/11): ‘Ipea ‘expurga’ economistas divergentes’.

Todo mundo foi atrás da história. Pochmann negou a intenção de promover um expurgo, mas o barulho não cessou e novos detalhes sobre as demissões foram divulgados – alguns dos mais interessantes na coluna de Miriam Leitão, no Globo [ver, neste Observatório, ‘Imprensa expõe `expurgo´ no Ipea‘].

Costurando os retalhos

Alguns defensores de Pochmann fizeram tábula rasa de suas explicações, aplaudiram sem reservas o afastamento dos quatro economistas e tentaram justificá-lo politicamente. Também isso foi publicado. Segundo moção de apoio divulgada pelo Sindicato e pelo Conselho Regional de Economia (Corecon) do Rio de Janeiro, os quatro economistas ‘jamais se colocaram firmemente contra o conservadorismo alienante do Banco Central’.

Seria difícil aceitar esse apoio e negar o expurgo, mas nessa altura já se estava passando para o segundo tema. A limpeza no Ipea não era um fato isolado, mas parte de um cerco ao Banco Central – havia escrito um dia antes, no Valor, o colunista Cristiano Romero. O Estado de S.Paulo divulgou no mesmo dia o manifesto do Corecon-RJ e, na abertura do caderno, um rico material de Ribamar Oliveira e Sérgio Gobetti sobre como vem sendo montada uma nova política econômica.

A nova política, segundo fontes da área econômica citadas na reportagem, abandona de uma vez a pauta de reformas do ex-ministro Antônio Palocci, programa um ajuste mais lento das contas públicas e só não atingirá a política de juros se o chefe do Banco Central, Henrique Meirelles, continuar blindado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ponto para os jornais. Não se limitaram a noticiar as demissões no Ipea, o escândalo e as opiniões contrárias ou favoráveis à ação do novo presidente do órgão. Foram capazes de juntar os pedaços de uma história mais ampla e mais complexa e a coluna de Cristiano Romero teve uma importância especial nesse trabalho.

Amplitude das mudanças

Com as eleições municipais de 2008, as tentativas de mudança da orientação econômica provavelmente serão intensificadas. O jogo já começou e está misturado com a campanha do governo pela renovação da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

Para facilitar a tramitação dessa proposta, o Executivo retirou do Congresso, por algum tempo, um projeto muito do agrado de prefeitos e governadores. Se aprovado, esse projeto resultaria – e ainda pode resultar – num afrouxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da própria Lei Eleitoral, permitindo maior endividamento de prefeituras e governos estaduais e a transferência de recursos federais a governadores e prefeitos mesmo nos meses próximos da eleição.

Na semana passada, o ministro da Fazenda Guido Mantega prometeu apoiar a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, em seu esforço para conseguir novos financiamentos e aliviar o sufoco do Tesouro gaúcho. Não houve barganha, garantiu o ministro, mas o preço – ninguém desconhece – é o empenho da governadora para os senadores de seu estado apoiarem a renovação da CPMF.

Dado esse passo, até onde poderá ir o Ministério da Fazenda em seu esforço para tornar a legislação fiscal mais flexível? Pauteiros e repórteres terão de continuar atrás de todo esse conjunto de questões nos próximos meses. As mudanças, pelo jeito, poderão ir muito além de alguns ajustes ‘desenvolvimentistas’.

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Jornalista