Não adianta. Não existe responsabilidade institucional da mídia de opinião. Seja qual for o governo, é permanente a tendência de mostrar os músculos e fabricar crises, criar factóides e ‘esquentar’ qualquer informação como se fosse o último papel de Watergate.
Tome-se a matéria de sexta-feira (28/3) na Folha de S.Paulo sobre o tal dossiê com os gastos da família de FHC – divulgado na última edição da Veja (ver aqui).
Há um levantamento de dados sobre as despesas do Palácio no governo Fernando Henrique Cardoso. Não há compra de drogas, pagamento de prostitutas, desvio de recursos. Há uma ou outra conta mais elevada em restaurantes, aluguel de automóveis, como deve haver nas despesas pessoais da família Lula. Nada que denigra FHC. E são prerrogativas do cargo.
Por outro lado, há um sistema de cartões corporativos que permitiram alguns abusos. Nada que não pudesse ser consertado com uma definição clara do que pode ou não ser gasto com ele.
Cria-se uma crise política em torno da tapioca. Ameaça-se com uma CPI, com uma crise institucional e se chegar aos gastos pessoais do presidente e sua família. Cria-se um clima de escândalo antes mesmo de se conhecer os dados. O que saísse geraria escândalo, fossem pagamentos a cabeleireiros ou compras de tapiocas.
A Casa Civil entra no clima e se prepara para enfrentar a crise da tapioca na CPI. Procede a um levantamento de todas as despesas presidenciais englobando o período FHC. Até aí tudo normal.
Parte dos dados vaza para a imprensa. Para quem? Para a revista Veja. Nem o mais improvável dos ‘aloprados’ buscaria a Veja para atacar o ex-presidente FHC. Logo, o vazamento dos dados partiu de alguém que não atuava em sintonia com a Casa Civil.
Que ‘furo’?
O ponto central da história não é saber se o levantamento foi feito ou não, se as informações estavam sendo organizadas ou não. É saber qual foi a motivação para o levantamento e para o vazamento de dados.
Tem duas possibilidades.
O governo diz que estava organizando os dados para poder fornecer à CPI quando solicitado.
Veja conclui, com a facilidade que lhe é peculiar, que o levantamento visava chantagear a oposição. Quais as evidências? Nenhuma.
É essa a questão central que a reportagem da Veja não esclarece. Mostrou tudo menos o essencial. Quem foi chantageado com esse relatório? Qual a prova de que se destinava a chantagear? Qual a testemunha que ouviu, alguma vez, que a intenção era a chantagem para evitar a CPI?
Agora vem a matéria da Folha. Os jornalistas informam ter recebido o relatório na quinta-feira (27/3). Ora, havia um relatório circulando na praça, o que a Veja recebeu. Ou é crível imaginar que, depois do carnaval do final de semana, relatórios continuaram jorrando da Casa Civil? A não ser que o jornal apresente outras evidências, ele recebeu cópia do relatório que a Veja tinha.
Então, o relatório não era novidade. Não era novidade o fato de que a Casa Civil estava alimentando o sistema com os dados. A própria Dilma Rousseff já tinha admitido. Qual o furo da Folha então: a de que o trabalho foi pedido pelo ‘braço direito’ da Dilma, a secretária executiva da Casa Civil. Em qualquer ministério, é o secretário executivo quem comanda o dia-a-dia. ‘Furo’ seria se o pedido tivesse sido por alguém de fora da Casa Civil.
Contas ao largo
Depois, para ‘esquentar’ a matéria, os procedimentos de sempre, afirmações colhidas uma fonte chamada Planalto.
‘A cúpula do governo avalia que a situação política da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, se agravou e que ela precisa dar uma resposta rápida. Do contrário, corre risco de cair.’
Tenha-se a santa paciência! Que mané cúpula! Imaginar que a peça central do segundo governo Lula, a maior unanimidade que se tem nesse governo, ‘corre risco de cair’ por conta dessa notícia é exagerar na autolouvação do furo. Até se aceita esse tipo de liberdade poética do senador Arthur Virgílio. Supor que a ‘cúpula do governo’ admitiu, é demais.
E continuam os factóides:
‘No segundo mandato, é a primeira vez que um membro poderoso do governo e próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é ligado a um escândalo.’
Dias atrás, a Folha havia ‘denunciado’o que chamou de mentira do ministro Tarso Genro. Ele teria declarado que os dados haviam sido solicitados pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e o TCU o teria desmentido.
Como – ao contrário da Veja – a Folha se permite laivos de contraponto, deu a palavra ao ministro:
‘Indagado pela Folha sobre o fato de o TCU (Tribunal de Contas da União) tê-lo desmentido, Tarso disse que quem errou foi o jornal, por ter divulgado informação `equivocada´.
`O que eu disse é que a Casa Civil estava fazendo reparos na organização dos documentos para dar maior transparência, por orientação do TCU. Trabalhando os documentos, que não eram sigilosos, colocando-os dentro do sistema, e que vão estar à disposição quando a CPI precisar. Ele [o tribunal] confirmou o que falei´.’
E de factóide em factóide la nave va, enquanto as contas externas vão levando o país pouco a pouco para o centro da crise internacional.