No feérico firmamento da insensatez nacional, a frase mais boçal dos últimos tempos coube a um general de quatro estrelas. No limite da irresponsabilidade, na fronteira da grosseria, no limiar da insubordinação, o general Carlos Bolívar Goellner, 63 anos, atravessou as cerimônias oficiais da semana passada em São Borja (RS) em homenagem ao ex-presidente João Goulart (1919-1976). Supremo comandante do Comando Militar do Sul (CMS), maior guarnição do Exército no país, o general intrometeu-se dando botinadas no enterro com honras militares prestadas a Jango, sepultado pela segunda vez em sua terra natal na mesma data – 6 de dezembro – em que morreu na Argentina, em 1976, ainda no exílio forçado a que o levou o golpe de 1964.
O repórter Carlos Rollsing, do jornal Zero Hora, que cobria a cerimônia, perguntou com argúcia à máxima autoridade que representava o Exército na cerimônia se a sua presença ali representava uma retratação histórica diante do presidente reverenciado. Para surpresa do repórter e de todos à sua volta, o comandante militar do Sul vestiu a esfarrapada farda de combate de meio século atrás e trovejou com inusitada deselegância:
– Nenhuma retratação. Nenhum erro histórico [a reparar]. A história não comete erros. A história é história – espumou o general Goellner.
Mais atento aos petardos da história que o general, o repórter lembrou que o primeiro sepultamento de Jango, em dezembro de 1976, foi realizado às pressas, para atender aos temores do regime militar. A passagem do carro funerário que atravessou a ponte que liga a cidade argentina de Paso de Los Libres à brasileira Uruguaiana, na fronteira, foi duramente negociada entre o coronel da guarnição local e o líder do oposicionista MDB da época, deputado estadual Pedro Simon, hoje senador. Seguindo ordens de Brasília procedentes do Palácio do Planalto de Geisel, o coronel determinara que o esquife de Jango fosse transportado em alta velocidade, para evitar a saudação popular à beira da estrada, e que o cortejo acelerado não parasse nem para reabastecer. Assim foi vencida, em menos de duas horas e meia, a distância de 190 km da rodovia RS-472 que liga Uruguaiana a São Borja, cidade natal e destino derradeiro do ex-presidente.
O repórter de Zero Hora lembrou ao general Goellner que, naquele ritmo acelerado, o primeiro sepultamento de Jango em 1976 não teve, como agora, as honras de chefe de Estado, já que a ditadura não permitiu nem o hasteamento a meio mastro da bandeira nacional. O general não se rendeu:
– Ele não foi enterrado como cidadão comum. Ele nunca deixou de ser presidente. Estamos prestando as honras regulamentares, nada mais do que isso. Não tem nenhuma outra ilação além disso, nem a favor nem contra – esclareceu o militar, com uma frieza glacial que destoava da cálida recepção da cidade ao seu presidente morto.
Rombudo, Goellner descartou a generosa hipótese levantada pelo repórter de que a presença do comandante, ali, poderia representar uma nova era de compreensão histórica para a corporação.
– As instituições não mudam na História. Não há nenhuma modificação em relação ao Exército – resistiu bravamente o general, com os dois coturnos solidamente plantados na intransigência e no imobilismo. O apagão temporal de Goellner impediu que ele recordasse o gesto eloquente de um mês antes, que prova a dramática e inspiradora mudança experimentada pelas Forças Armadas brasileiras, o Exército incluído, com o advento da democracia revogada pelos militares com a deposição de Jango. Em 14 de novembro, Jango voltou a Brasília, de onde fora escorraçado pelas armas em 1964, recebendo as tardias honras militares na presença de três ex-presidentes da República (Lula, Sarney e Collor) e da atual, Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira que pegou em armas contra a ditadura e foi por ela presa e torturada. Na terceira fila de cadeiras reservadas às autoridades no hangar da Base Aérea de Brasília sentaram-se lado a lado os três comandantes militares – o brigadeiro Juniti Saito, o almirante Júlio Soares de Moura Neto e o general Enzo Martins Peri, subordinado de Dilma e chefe de Goellner.
Na segunda fila, na cadeira logo à frente do general, estava sentado o seu colega de ministério, Fernando Pimentel, titular da pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. No início da década de 1970, o Exército que Peri hoje comanda prendeu e torturou Pimentel, um jovem de 19 anos que militou sucessivamente nos grupos de ação armada Colina, VPR e VAR-Palmares, onde lutava ao lado da guerrilheira Dilma Rousseff, atual comandante-em-chefe das Forças Armadas. Nessa condição, todos os generais da democracia – incluindo Peri e Goellner – batem agora continência para a atual presidente da República, por dever constitucional e subordinação aos rígidos regimentos militares. Se o obtuso comandante militar do Sul ignora tudo isso como uma saudável modificação do Exército é porque não entende o que é História e não compreende o que é sua própria corporação.
Manda e obedece
Em São Borja, em dezembro, o general Goellner, distribuiu grosserias. Um mês antes, em Brasília, Dilma, sua comandante-em-chefe, colocou flores sobre o caixão de Jango, ao lado da viúva, Maria Teresa, num ato de emoção e elegância que resume as mudanças históricas que os antolhos do comandante do Sul não conseguem perceber, após tanto tempo. Bastaria prestar atenção às três mensagens eloquentes que a antenada Dilma transmitiu pelo Twitter, momentos antes de receber os restos de Jango em Brasília: “Uma democracia que se consolida com este gesto histórico. Essa cerimônia que o Estado brasileiro promove hoje com a memória de João Goulart é uma afirmação da nossa democracia. Este é um gesto do Estado brasileiro para homenagear o ex-presidente João Goulart e sua memória”, lembrou a presidente.
Ainda em São Borja, a fala mal-educada do general foi contestada por quatro políticos civis, procurados imediatamente pelo atento repórter de Zero Hora. Autores da resolução do Congresso que há duas semanas anulou a farsa parlamentar de abril de 1964, declarando vaga a presidência quando Jango ainda estava em Porto Alegre, os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Pedro Simon (PMDB-RS) sacaram da ironia. “O que se faz aqui é a correção de um grave erro histórico. A História é um trem alegre que atropela todo aquele que a negue”, disparou Randolfe. “Faz bem o comandante em dizer isso. Ele acerta em citar o regulamento. A presidente manda e ele obedece”, reforçou Simon, falando ao lado do general, que ouviu tudo e não disse nada.
O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro, nascido em São Borja como Jango, foi ainda mais ferino: “Acho muito bom quando os militares falam só sobre regimento. Fez muito bem o comandante, cujo nome eu não sei. Militar é para falar sobre regulamento, regimento, essas coisas. Política é para o povo falar e para os líderes políticos. Do ponto de vista do regimento, é um ato formal. Do ponto de vista do Brasil, é um grande acontecimento, cívico e emotivo”.
A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que ali representava a Presidência da República, insinuou uma transgressão disciplinar, a ser considerada pelos comandantes do general: “Os militares respondem, pela hierarquia, a seus superiores. Certamente, as declarações dessa pessoa, pelas funções importantes que exerce, deverão ser analisadas pelos seus superiores”.
Foi eloquente a troca de guarda nas homenagens de Brasília e de São Borja. Na capital, pelotões de honra das três Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – prestaram honras de chefe de Estado a Jango, na presença de seus comandantes e da presidente Dilma Rousseff. Na cidade natal de Jango, cerraram fileiras nas homenagens ao ex-presidente só os soldados da Brigada Militar, a força pública estadual, com uma tropa de 25 mil efetivos, a metade da guarnição militar do Sul comandada por Goellner.
Apesar da presença do general, o Exército manteve-se ostensivamente ausente e distante em São Borja. O silêncio mais eloquente, porém, foi o da imprensa brasileira, que não repercutiu a áspera declaração do general. Nenhum grande veículo de Rio e São Paulo, nenhuma rede de TV, nenhum portal na internet, nenhum editorial, nenhum blog sujinho ou limpinho deu importância ao que disse Goellner, que não é um militar qualquer.
Gaúcho como Jango, mas nascido em Santa Maria, Goellner comanda a maior concentração de tropas do Exército brasileiro, mais de 50 mil homens, um quarto do efetivo total do país. No Comando Militar do Sul, antes conhecido como III Exército, Goellner chefia 18 oficiais-generais, 160 organizações militares, 20 Tiros de Guerra, 100% da artilharia autopropulsada, 75% da artilharia geral e 90% dos 1.645 tanques de guerra de toda a força terrestre brasileira – incluindo os blindados alemães Leopard, os americanos Patton e M-113 e os brasileiros Urutu e Cascavel.
General na gangorra
A silente imprensa brasileira perdeu a chance de contar que o palavroso Goellner é muito mais do que o general com maior poder de fogo do Exército brasileiro. Ele também é, ou era, uma estrela em ascensão no opaco firmamento militar. Até o desastrado bombardeio verbal de São Borja, Goellner era cotado como o provável sucessor de Enzo Peri no Comando do Exército. Os antecedentes até recomendavam o seu nome. Goellner, nome recentíssimo no Alto Comando do Exército, ganhou sua quarta estrela em março de 2011, concedida justamente por Dilma em sua primeira promoção de generais, três meses após assumir a presidência.
Goellner formou-se cadete em Campinas, ingressando no Exército em 1967, três anos após o golpe, e tornou-se aspirante a oficial da Infantaria pela Academia Militar de Agulhas Negras em dezembro de 1972, quando o general Médici cuspia ferro e fogo na fase mais sangrenta da ditadura. Até pela tenra idade, Goellner passou incólume pelos porões da repressão e pelos horrores da ditadura que começou com a deposição de Jango, que o general ainda hoje não considera um “erro histórico”, passível de qualquer retratação.
O surto de amnésia do general impediu que ele lembrasse episódios marcantes que comprovam clamorosos erros da História – que até as O Globo assumiu, em setembro passado, ao expressar um inesperado mea culpa pelo equivocado apoio ao golpe militar de 1964. O distraído Goellner erra ao dizer que a História, como construção coletiva do homem, não comete erros. A humanidade acerta o passo, e o general deveria fazer o mesmo, quando reconhece erros brutais que ainda hoje envergonham o mundo civilizado. Erros que gritam na consciência de todos, como a escravidão (abolida só no final do século 19 no Brasil, o último país escravocrata do mundo), a exploração colonialista, a nada santa Inquisição da igreja católica, o nazifascismo, a morte em escala industrial do Holocausto, os conflitos regionais, as duas guerras mundiais, os horrores dos gulags do stalinismo, a segregação do apartheid na África e nos Estados Unidos, a perseguição do macarthismo, a truculência das ditaduras do Cone Sul, a repressão coordenada da Operação Condor, a tortura e a censura – alguns desses erros, para espanto do general, cometidos com a efetiva participação de militares do Exército brasileiro, para horror de Goellner.
O próprio Exército de Goellner errou e acertou, na gangorra da História. Sustentou a ditadura do Estado Novo getulista, flertou com o III Reich que embevecia o ministro da Guerra (Eurico Gaspar Dutra) e o chefe do Estado-Maior do Exército (Góis Monteiro) de Getúlio Vargas, cerrou fileiras com os Aliados na jornada italiana da FEB na guerra contra o nazifascismo, impediu a quartelada de 1955 que tentava barrar a posse do presidente eleito Juscelino Kubitscheck. Até o III Exército que Goellner hoje comanda, com outro nome, teve seus altos e baixos. Acertou ao apoiar o povo gaúcho e o governador Leonel Brizola, em 1961, na Campanha da Legalidade em defesa do mandato de João Goulart. Errou, três anos depois, ao se engajar na conspiração golpista que derrubou o mesmo Jango cuja posse tinha assegurado. Fica provado, assim, que a História comete erros – e o general Goellner, também.
A fala desastrada no enterro de São Borja pode ter sepultado, de vez, as chances do general de chegar ao topo da carreira como comandante do Exército. Mas isso é pouco para a afronta praticada por Goellner, que passou batida pelo silêncio obsequioso a quem ele deve satisfação e subordinação. Ninguém em Brasília contestou o general – seja pela inoportunidade, seja pela grosseria, seja pelo imperdoável deslize histórico. Nem o comandante do Exército, general Enzo Peri, seu chefe imediato. Nem o ministro da Defesa, Celso Amorim, chefe dos dois. Nem a presidente Dilma Rousseff, chefe suprema dos três. Todos se calaram, talvez pela conveniência de engolir o desaforo para evitar maiores sobressaltos políticos, especialmente num período pré-eleitoral que não recomenda marolas, especialmente em torno dos quartéis.
O Palácio do Planalto pode ter desistido de puxar as orelhas do general, ostensivamente, para puxar discretamente o tapete de Goellner como futuro comandante da força terrestre. O chilique autoritário do general passou ileso, também, pelo crivo de instituições e entidades comprometidas com a defesa da verdade, dos direitos humanos e da democracia, como o Congresso Nacional, a OAB, a ABI, a Fenaj e até a Comissão Nacional da Verdade. Ninguém pareceu se incomodar com os disparates pronunciados em São Borja pelo comandante do sul.
Corações e mentes
O episódio envolvendo o general mais poderoso do Exército brasileiro, contudo, revelou a dificuldade que os militares brasileiros têm, em plena democracia, para digerir o passado e aceitar as circunstâncias ainda constrangedoras de uma ditadura distante que não exerceram, mas que protegem com um insensato sentimento corporativo. Goellner, um general de ficha limpa diante dos abusos do regime que ele viu nascer antes de completar 14 anos e que viu morrer aos 35, é mais um dos chefes militares entrincheirados na defesa incongruente de um regime de força carcomido pelo tempo e emparedado pela democracia. Os generais, antes apenas incomodados, agora se mostram ostensivamente irritados com a cobrança por verdade e justiça, como revela a irada reação do comandante militar do Sul.
Um exemplo gritante dessa hostilidade surgiu no início de dezembro, com um depoimento reservado de 92 minutos prestado em 12 de novembro à Comissão Nacional da Verdade (CNV), no Rio de Janeiro, pelo general de brigada (reserva) Álvaro de Souza Pinheiro, 69 anos, nascido em Cuiabá (MT) e veterano dos combates à Guerrilha do Araguaia, no início da década de 1970. O texto foi recuperado pelo experiente repórter Vasconcelos Quadros, do portal iG. Antes de depor, o general expôs seu compromisso, com uma elegância peculiar, numa mensagem distribuída aos “companheiros leais”, dizendo-se preparado:
“Preparado para dizer a estes comunistas de merda, em alto e bom tom, seguro e muito firme, que orgulho-me profundamente de ter integrando as Forças Especiais do Exército Brasileiro, participado decisivamente do combate contra a subversão e o terrorismo no Brasil. E, afirmar-lhes, olho no olho, que esta Comissão que, pela sua parcialidade, nada tem de Verdade; que ela é, verdadeiramente, da Infâmia, Calúnia e Difamação. Nesse contexto, não lhe reconheço nenhuma legitimidade para questionar-me em qualquer tema, razão pela qual nada mais terei a declarar.”
Embora desdenhando da CNV, o general Pinheiro admitiu que os guerrilheiros mortos na selva foram identificados e enterrados em locais conhecidos, mas se recusou a dar qualquer informação: “Não vou confirmar nada a comissão nenhuma. Nem o papa me obrigaria”, disse o general, escancarando o pacto de silêncio da caserna que está acima das questões de Estado. “Tô rindo. Não tenho nenhum interesse nisso. O que me interessa é que o Exército resolveu o problema grave de um foco terrorista num ambiente de selva”, respondeu, resumindo a dificuldade da Comissão da Verdade em resgatar o passado de violência da ditadura.
Quando entrou na mata para combater a guerrilha, Pinheiro era primeiro-tenente e lá combateu num total de 247 dias. Levou um tiro na clavícula, disparado pelo guerrilheiro Bergson Gurjão Faria, morto dias depois pela equipe de Pinheiro no Araguaia. Os restos de Bergson foram identificados em 2009.
À Comissão da Verdade, o general Pinheiro explicitou a posição contrária dos militares ao conhecimento da verdade: “Não falta radical tresloucado que queira acertar contas do passado. Mas não é qualquer vagabundo que vai me pegar, nem a investida de policiais do governo”, disse Pinheiro, no tom desafiador que lembra o general do Sul. A diferença é que o general Pinheiro esteve no Araguaia e tem o que esconder. O general Goellner, não.
É ilusão imaginar que Pinheiro seja peça de museu, escondido em casa e camuflado com o pijama e as pantufas confortáveis da reserva. O general está ativo, circulante e muito, muito ouvido. Em abril passado, deu instrução sobre “Operações de Informação” aos oficiais do 2º ano do curso de Comando e Estado-Maior (Ccem) na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. É a escola que prepara os corações e mentes dos capitães e majores que, promovidos a coronéis, vão integrar os grandes comandos do país. Em maio, estava no Sul, na jurisdição do general Goellner, falando aos oficiais, subtenentes e sargentos do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado de São Leopoldo, na Grande Porto Alegre, sobre “Operações contra Forças Irregulares e Terrorismo”.
Com o sucesso de público e crítica do general da reserva Pinheiro nos quartéis de um Brasil democrático há 28 anos, é mais fácil entender porque o general da ativa Goellner ainda acredita que a História não comete erros. Na página do batalhão de São Leopoldo, o general Pinheiro é apresentado como “um dos maiores especialistas em operações de combate ao terrorismo”.
Um ex-capitão do 1º Batalhão de Forças Especiais, Dalton Roberto de Melo Franco, contudo, apresenta uma nova faceta de Pinheiro, com quem serviu quando ele ainda era coronel, em 1989. No ano anterior, os metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) iniciaram uma greve e ocuparam a usina no dia 7 de novembro. Dois dias depois, com autorização do presidente José Sarney, o Exército invadiu o local.
No tiroteio, morreram três operários e 46 ficaram feridos. Em 1989, no 1º de Maio, um memorial projetado por Oscar Niemeyer foi inaugurado na praça em homenagem aos três mortos.
Algumas horas depois, na madrugada do dia 2, uma bomba derrubou o monumento, que ficou tombado para frente, preso apenas pelo ferro da armação. Na ocasião, Niemeyer fez questão de reinaugurar o monumento mantendo as marcas da violência, apenas erguendo o que foi derrubado, na intenção de preservar o atentado para sempre na memória.
Dez anos depois, em março de 1999, o ex-capitão Dalton deu uma bombástica entrevista ao Jornal do Brasil,dizendo ter sido punido e expulso do Exército porque se recusou a participar do atentado contra o memorial. Ele disse ter integrado um grupo de oficiais das Forças Especiais infiltrado na CSN para vigiar os líderes da greve. O ex-capitão disse ao JB ter recebido uma ordem de seu chefe no destacamento, o então coronel Álvaro de Souza Pinheiro, para explodir o monumento. Dalton pediu a ordem por escrito e foi excluído da operação. “A dinamite foi dada pelos bicheiros do Rio e tirada de pedreiras da Baixada Fluminense. Eles ajudaram a montar um paiol com munição que depois seria usada em várias operações irregulares”, disse o capitão Dalton ao Jornal do Brasil.
O ex-coronel Pinheiro, hoje general, agora ri porque o Exército resolveu “o problema grave de um foco terrorista num ambiente de selva”. Sobre os focos urbanos em Volta Redonda, ele nada fala, até porque o silêncio é um dogma quase divino. Pinheiro, acintoso, avisa que não confirmará nada a nenhuma comissão, nem que o papa obrigue. Goellner, presunçoso, continua acreditando que a História não comete erros.
Os dois generais, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, representam as duas faces do mesmo problema. Um não diz o que sabe. O outro não sabe o que diz.
Por omissão ou precipitação, um e outro acabam cometendo um erro continuado que recai sobre o Exército e frustra o país, cada vez menos paciente com a boçalidade, cada vez mais necessitado da verdade.
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Luiz Cláudio Cunha é jornalista