Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jogo perigoso da especulação

Segundo levantamento publicado na edição de terça-feira (11/2) do Globo, são pelo menos sete as mortes ocorridas em consequência de violência durante as manifestações iniciadas em junho do ano passado. Mas a vítima que vai marcar este tempo chamava-se Santiago Ilídio Andrade e em seu nome serão publicadas muitas reflexões sensatas e cometidas algumas manipulações. A diferença entre ele e os demais mortos e feridos é que, ao que tudo indica, foi atingido por um petardo lançado por um suposto ativista do Black Bloc.

Marcos Delafrate, estudante de 18 anos, morreu atropelado em Ribeirão Preto; Cleonice Vieira de Moraes, 54 anos, teve um ataque cardíaco ao ser atingida por uma bomba de efeito moral em Belém; Valdinete Rodrigues Pereira, 40 anos, e Maria Aparecida, 62, foram atropeladas em Cristalino, Goiás; Douglas Henrique de Oliveira, 21 anos, caiu de um viaduto em Belo Horizonte; um adolescente cujo nome não é revelado morreu no Guarujá, litoral paulista, e o marceneiro Igor Oliveira da Silva, de 16 anos, estava numa festa junina quando foi atropelado por um caminhão, cujo motorista fugia de uma manifestação.

A lista está incompleta, pois sabe-se que houve pelo menos mais uma morte em Belo Horizonte.

No campo que podemos observar, esses nomes têm um valor relativo, quase restrito ao círculo de seus familiares e amigos: o território midiatizado precisa de símbolos capazes de produzir comoção e relativiza tudo que não tenha potencial para compor uma manchete. Números baixos ou individualidades de menor apelo não interessam à mídia de massa. Santiago Andrade está, portanto, inscrito nesse enredo cuja trama se torna a cada dia mais complexa.

Cresce quase ao nível da unanimidade a condenação às práticas do Black Bloc, denominação que até outro dia se referia especificamente ao ativismo violento mas não apontava para uma estrutura organizada. Os jornais, principalmente o Globo, se esforçam para acusar o deputado Marcelo Freixo, do PSOL, como mentor dos grupos de vândalos, e há quem confunda propositalmente os Black Bloc com os coletivos de comunicação chamados de Mídia Ninja.

Manipulando emoções

O cadáver serve principalmente para exacerbar emoções, e nesse contexto é que se constroem certos mitos perpetuados nos arquivos da imprensa. O protagonismo do deputado carioca é conhecido, por causa da assistência jurídica que costuma oferecer a manifestantes detidos pela polícia, mas daí a envolvê-lo na organização de atos violentos vai uma grande distância. Ainda que se diga que seu tirocínio possa ter sido afetado por aquela doença infantil do comunismo, não há fatos que justifiquem o julgamento a que parte da imprensa o está submetendo.

O processo é insidioso, principalmente se considerarmos que, até a morte de Santiago Andrade, a mídia tradicional não havia manifestado capacidade ou interesse em identificar o que é e a que serve o difuso movimento chamado Black Bloc.

O fato de alguns analistas apressados vincularem o ativismo violento ao midiativismo dos Mídia Ninja é parte desse processo de demonização das manifestações que nascem dos fóruns coletivos – que o pensamento conservador não consegue interpretar ou que simplesmente rejeita.

No momento em que estas observações são elaboradas, após horas de análise do noticiário da última jornada, a polícia ainda não havia revelado o nome do principal suspeito de ter acendido o pavio do morteiro que matou o cinegrafista. Portanto, tudo que foi dito até então pode se desvanecer com a possibilidade de se tratar, por exemplo, de um agente provocador ligado à própria polícia ou a uma daquelas milícias que disputam o domínio de favelas no Rio.

Enquanto a verdade não for exposta e devidamente consolidada por provas concretas, tudo é especulação. E é no terreno pantanoso das especulações que a mídia tradicional constrói os fundamentos da opinião manipulada.

O Brasil já testemunhou manobras semelhantes, capazes até mesmo de alterar o resultado de eleições presidenciais. Não se encontra, nos limites do razoável, justificativa aceitável para a ação violenta que caracteriza essa tática chamada de Black Bloc. Mas a depredação irresponsável de reputações também é uma ameaça à chamada sociedade democrática.