Bastaram duas semanas de atuação para que o novo presidente da Câmara dos Deputados exibisse o seu arsenal de atributos como caudilho, oligarca e cacique. Junto, mostrou como funciona uma blitzkrieg política em ambientes dominados pela inércia. Exemplo perfeito das virtudes do voluntarismo onde campeia a apatia. A supremacia da onipotência sobre a impotência, do mandonismo escancarado sobre desmandos sussurrados.
Führer típico, determinado, ídolo dos medíocres, aliado predileto dos pusilânimes. No mostruário de lideranças fornecido pela Revolução Francesa, situa-se entre Georges Danton, o demagogo audacioso e Joseph Fouché, o conspirador-manipulador, eterno sobrevivente, sacerdote capaz de fingir-se ateu para ganhar mais poder. Comparado com antigos parceiros como Collor e Garotinho, é um profissional padrão “intocável”, tal como Daniel Dantas e outros ex-associados.
Eduardo Cunha é, neste exato momento, o político mais poderoso do país. Muito mais eficaz do que o partido que elegeu e reelegeu os dois últimos presidentes, mais safo e esperto do que o presidente honorário da sua agremiação e vice-presidente da República – com uma só cartada converteu Michel Temer em volume-morto e a presidente reeleita, a durona Dilma Rousseff, em figura decorativa.
Mão na boca
Quando operava na esfera estadual metia-se em constantes trapalhadas, chegou a sofrer um atentado e foi acusado de fazer negócios com famoso narcotraficante. Carioca que joga pesado, não brinca em serviço, foi quem descobriu um erro na documentação eleitoral do animador Sílvio Santos e assim tirou-o da corrida presidencial.
Ao ingressar na esfera federal (2003), percebeu o alcance dos novos holofotes, mudou o estilo, guardou a metralhadora, passou a servir-se de fuzis de precisão – não errou um tiro. Em apenas 12 anos, foi alçado ao Olimpo. O ex-presidente Lula não ousa desafiá-lo: recomendou publicamente à sucessora uma reconciliação.
Forte candidato a converter-se no primeiro déspota parlamentar, símbolo das deformadas democracias representativas do século 21 que fundiram o corporativismo de Mussolini com um bolchevismo de direita, messiânico. Preside a Casa do Povo, mas não consegue esconder a forte vocação autoritária e o gosto pelo exercício do poder absoluto. Já passou por três partidos – PRN, PPB-PP e PMDB, este o mais “progressista”. Na verdade é um espécime legítimo da era pós-ideológica, conservador, populista que poderá até proclamar-se parlamentarista para mais rapidamente tomar o poder.
Sua adesão ao ideário evangélico e a obsessão em implementá-lo a qualquer preço faz dele um exemplar calvinista. Como operador, porém, prefere a lógica do capitalismo.
A promessa de impedir qualquer tentativa de regulação da mídia (como deseja parte do PT) nada tem de devoção à liberdade de imprensa. Qualquer projeto que corrija distorções no sistema midiático, por mais leve que seja, passaria obrigatoriamente pela anulação de concessões de rádio e TV a parlamentares e pela proibição de cultos religiosos nas emissoras de TV aberta – largamente utilizados por confissões religiosas, especialmente evangélicas. Na última semana criou um comissariado para unificar a orientação dos diversos veículos da Câmara dos Deputados (jornal diário, rádio, portal e TV).
Além das obsessões e preparo físico, ostenta um desembaraço verbal de radialista, suficiente para não cometer gafes grosseiras. Engravatado, certinho, sem barba nem bigode, óculos leves, passa a imagem de confiável, protetor, bom vizinho, bom burguês, capaz de sonhar com rupturas, mas não com o caos. Numa coleção de dez fotos tomadas já na presidência da Câmara, cinco delas mostravam-no com a mão na boca, truque que até jogar de futebol apreendeu para não ser surpreendido por experts em linguagem labial.
Meteoro fascinante para acompanhar, preocupante como dono do poder.