Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O trapézio de Gilberto Carvalho

O secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, é um personagem machadiano. Como aconteceu a Brás Cubas, pendurou-se-lhe uma ideia no trapézio que tinha no cérebro: a vaia e os xingamentos dirigidos a Dilma Rousseff não foram obra da “elite branca”. Representam um fenômeno mais generalizado. Tanto que Carvalho, usando o metrô para voltar do estádio, viu “uns moleques” formando no vagão coro mal-educado.

No universo petista e lulista, foi uma percepção não canônica. “Elite branca”, afinal, é uma explicação tão cômoda, a despeito da imprecisão etnográfica (para não falar de sociologia e política). Então quer dizer que não foi um segmento privilegiado da turba ingrata o promotor de vaias e xingamentos? Há descontentamento generalizado?

Não, não se trata disso. Carvalho dá agilmente uma cambalhota mental e, para não fugir às linhas estruturais do libreto operístico, diz que a perversa mídia “faz a cabeça” da multidão. Donde se depreende que o povo é bobo. Ou, menos enfaticamente, la massa è mobile.

Seja como for, obra da áspera realidade dos fatos ou da máquina de moer cérebros da mídia, Carvalho diz em entrevista à Folha de S.Paulo (23/6) que o PT alimenta a ilusão de que o povo pensa que está tudo bem. Problemas, melhor não tê-los. Mas, tendo-os, melhor não ignorá-los.

Coisa de rico, riquinho

O governador do Ceará, Cid Gomes, sólido aliado do governo federal, acha entretanto que a agressividade parte mesmo é de quem está por cima da carne seca. Em entrevista ao Valor (23/6), disse:

“Achei que foi uma coisa de rico, de riquinho, agressiva demais. E foi um tiro no pé. Desperta mais nas pessoas mais simples o sentimento de que há aversão das classes mais ricas com [sic] essa instância de poder porque quem está no poder valoriza políticas de atenção aos mais pobres.”

Capítulo da corrupção

No capítulo da corrupção, Carvalho reconhece crimes cometidos por petistas, mas aponta que os similares cometidos por adversários recebem tratamento ameno na imprensa. Seu colega de governo Jorge Hage, ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), em artigo na mesma edição da Folha (“Avanço irreversível”), tem abordagem diferente:

“Não se ignora, por outro lado, a contribuição da imprensa, disposta como nunca a apontar casos de corrupção, o que não deixa de ser natural quando assumiu o governo um partido que incluía o combate à prática entre suas bandeiras e que desbancou do poder as forças que com ela conviviam, sem atacá-la, havia mais de 500 anos”.

Hage não varre problemas para debaixo do tapete, mas se esquece da composição da famosa “base aliada”. Poucas coisas são mais “500 anos de…” no Brasil do que o PMDB de Michel Temer, José Sarney, Renan Calheiros, Henrique Eduardo Alves, ou o PTB de Fernando Collor.

Notícias boas e ruins 

Circo retórico à parte, o jornalista José Roberto Toledo, em coluna no Estado de S.Paulo (“Foto, filme, flashback”, 23/6), trabalha com uma categoria interessante. Algo como a mídia jornalística refletida no espelho da opinião. Diz Toledo que a esta altura de 2010, quando o governo Lula tinha apoteóticos níveis de aprovação em pesquisas, “a percepção de que o noticiário era mais favorável ao governo era três vezes maior do que a percepção de más notícias. Quase uma euforia”. Agora, “a percepção de que as notícias são ruins para o governo é quatro vezes mais forte entre os eleitores do que a percepção do noticiário positivo”.

Duas hipóteses básicas explicariam tal fenômeno. A primeira é a mais simples, mais “barão de Itararé” (“De onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada”): a situação piorou, de modo geral, embora haja, como em qualquer situação, altos e baixos, e a despeito dos méritos que tenham políticas públicas do governo federal e dos governos de seus aliados estaduais e municipais.

A alternativa seria a seguinte: a mídia jornalística foi mais boazinha com Lula do que tem sido com Dilma. Um tanto escalafobética, mas certamente contará com não poucos adeptos. Mesmo que à custa de contorções mentais bem mais acrobáticas do que as do ministro Carvalho.

Escolha a tua, atento leitor. Se for inteligente, dou-me por satisfeito. Se não o for, dou-te um piparote, como Machado de Assis aos leitores de antanho. E não se esqueça de seguir atentamente o debate sobre regulação, ou democratização, ou controle social da mídia. Aí tem gato.