É de Walter Benjamin a reflexão de que um incêndio ocorrido no nosso quarteirão interessa mais aos leitores do que o noticiário internacional, por mais bombástico e horroroso que ele seja. Mas, como se costumava dizer, a realidade de hoje está mais no poder dos fatos do que no das convicções. É preciso convir que o critério editorial dos jornais na divulgação de notícias internacionais obedece à lógica do miraculoso, do fantástico e do espetacular. Assim, as guerras, as catástrofes ambientais e humanitárias, as visitas oficiais de chefes de Estado entram no registro das efemérides, episódios, flashes da vida moderna cuja profundidade não ultrapassa uma manchete, ilustrada com uma foto colorida. O espaço dessas editorias, cada vez mais comprimido pelo poderoso departamento de marketing, não comporta análises, reflexão, estudos mais aprofundados etc. Depois o jornal vende a novidade, a matéria quente ou esquentada. De nada adiante enviar para os editores uma opinião mais crítica, reflexiva, embasada em pesquisas universitárias ou no estudo das relações internacionais. É como se o leitor não se interessasse por isso…
Há algum tempo as pesquisas demonstraram que a parte menos lida dos jornais é a coluna de opinião, sobretudo quando os artigos são longos e difíceis. Comparados, naturalmente, com a ilustrada coluna social, o noticiário esportivo e a indefectível seção policial, o resto parece não ter mesmo importância alguma. Quem vai se importar com a sorte de um chefe de Estado de um remoto país árabe ou a sorte de milhões de japoneses ou o que o presidente americano veste ou come? Poucos leitores. E, no entanto, a nossa vida e o nosso mundo vão ficando cada vez mais parecidos com uma aldeia global, onde os fatos se interconectam, se relacionam mutuamente.
É o modelo holístico da nossa atual civilização. Ninguém vive numa ilha, isolado do resto do mundo. Mas o critério editorial de alguns ainda insiste em tratar a matéria jornalística como um produto ‘ao gosto do freguês’, à la carte, deseducando ‘o leitor do presente e do futuro’. Que futuro pode ter uma civilização do efêmero, do descartável, do episódico, do que acontece aqui e agora, como diz o lide dos cursos de jornalismo?
Bolha especulativa
As nossas páginas de opinião estão lotadas de avaliações de consultores, publicitários, marqueteiros ou compadres e comadres que, quando não aproveitam para vender o peixe, derramam-se em considerações sobre a cocada, o alfinin ou bolo de Souza Leão.
A noção de ‘espaço público’ passou longe desses articulistas, que confundem o espaço do jornal com as mesas fartas do bairro de Apipucos e adjacências. Já as editorias internacionais, quando não se limitam a reproduzir o noticiário das agências estrangeiras, evitam publicar opiniões polêmicas em relação ao judaísmo, ao cristianismo ou aos EUA, editando e cortando passagens consideradas críticas nos textos.
Pobre sociedade do espetáculo essa nossa. Ela vai se acabar numa bolha especulativa invadida pela irradiação atômica produzida pelo tipo de ‘combustível limpo’ produzido pelas usinas nucleares, como defendeu o secretário Ricardo Leitão no início do mandato deste governo. Talvez ele não esteja vivo para experimentar o veneno de sua brilhante sugestão.
******
Professor de Ciência Política, Recife, PE