Convidado para discorrer sobre “Ética e Imprensa” para concluintes de Comunicação Social do Centro Universitário de Brasília, resolvi elencar alguns tópicos afetos a tema tão vasto. Inicialmente me perguntei sobre o que seria apropriado falar para meia centena de jovens que, com idade média inferior aos 25 anos, em breve se formarão jornalistas.
A seguir destaco algumas reflexões que incendiaram a imaginação (e os debates) desses meus futuros colegas:
** Mercado de trabalho em constante mutação
Diante do advento das novas mídias, em especial o desenvolvimento da web, é notório o encolhimento do número de jornalistas trabalhando em redações. Isto ocorre porque os veículos de comunicação impressa enfrentam pesadas dificuldades financeiras, uma vez que passaram a ter concorrência direta dos meios virtuais na disponibilização de notícias à sociedade. Os meios virtuais oferecem de forma gratuita o que antes se conseguia mediante pagamento de assinatura ou de exemplar avulso. E se a divulgação de notícias na web é feita no momento mesmo em que esta acontece, no caso dos jornais temos um lapso de 24 horas entre uma edição e outra e, nas revistas de circulação nacional, observa-se intervalo de uma semana. Enquanto isso, no meio virtual, a notícia é complementada, recebe adições, é atualizada instante a instante. Alguns jornais, como o Jornal do Brasil, deixaram de circular em seu formato papel e passaram a existir apenas na blogosfera.
O fato é que sempre haverá mercado de trabalho para bons jornalistas. E bons jornalistas são aqueles que observam princípios éticos. E também aqueles que têm no pensamento sua incrementada oficina de trabalho. Bons jornalistas conhecem bem o idioma pátrio e sabem como escrever. Bons jornalistas lêem muito e têm familiaridade com os clássicos da literatura nacional e internacional. Para estes, o emprego estará sempre ao alcance.
** Diploma de jornalismo
Vem de longe a querela jurídica entre os que defendem que jornalista necessita ter diploma universitário e aqueles que acham dispensável a exigência. O entendimento corrente do Supremo Tribunal Federal é o da dispensabilidade do certificado acadêmico. Neste ponto, observei quão desestimulante é a situação atual para quem está prestes a concluir quatro anos de curso superior na área da comunicação social. Se antes o diploma constituía divisor de água entre “jornalistas formados” e “jornalistas informais”, no momento todos se sentem aptos a disputar o mesmo mercado de trabalho.
A capacitação universitária foi relegada a um segundo plano. E, penso, a qualidade do trabalho jornalístico encontra-se temporariamente comprometida. Tem sido corriqueiro constatar a forma desleixada com que pretensas reportagens são colocadas na internet, sem a devida contextualização e sem atender os requisitos formais que transformam um punhado de informações em notícia.
Não é o diploma que faz o jornalismo. Mas um jornalista com diploma, ao menos em tese, conhece bem o ofício. Tem conhecimentos específicos sobre como funciona o meio impresso, o rádio, a televisão e a internet. Consegue distinguir o que é notícia e o que não é. E terá em mente algumas das teorias da comunicação que em algum momento lhe serão de grande utilidade no exercício da profissão.
** Monopólio dos veículos de comunicação
Poucos são os proprietários dos grandes veículos de comunicação. Não preenchem os dedos das duas mãos. E desfrutam do poder de decidir a agenda nacional, os temas a serem debatidos, as opiniões a serem disseminadas, o que é e o que não é notícia. São essas poucas famílias dos proprietários dos veículos de comunicação que dispõem de meios eficazes para a pronta divulgação de suas opiniões, especialmente em assuntos políticos e econômicos, em detrimento de opiniões contrárias.
Esse monopólio tem concentrado imenso poder para seus proprietários defenderem nada mais que os seus próprios interesses. Não é fantasioso admitir que parte de nossa grande imprensa tem sido subserviente ao grande empresariado, e não causa surpresa que os anunciantes exerçam controle da linha editorial. É necessária a promoção da pluralidade de idéias. E é bastante difícil tal pluralidade se os meios de comunicação formam, na prática, nefasto monopólio da informação.
A proibição à prática de monopólio na área da comunicação é objeto do parágrafo 5º do artigo 221 da Constituição Federal. Estipula nossa Carta Magna: “Os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Democratizar o acesso aos veículos de comunicação facilita a quebra do monopólio e enseja a participação de novos protagonistas, personagens que terão direito não apenas à voz, mas também o direito de serem ouvidos. Nesta direção, outro passo positivo seria assegurar o pleno funcionamento do Conselho de Comunicação Social, previsto como órgão auxiliar do Congresso Nacional no artigo 224 da Constituição Federal.
** Defesa do viés sensacionalista
Começando pelo jornalismo televisivo, cada vez mais a notícia passa a ser vista como mero entretenimento. O jogo de imagens e de sons colabora para, uma vez editorializado, apresentar a notícia em ritmo de videoclipe. É a sociedade do espetáculo onde mais vale a audiência, não importando a forma como esta precisa ser alcançada.
Conceder mais atenção ao efêmero, ao superficial e ao sensacionalista é a regra. A objetividade e a isenção, não importa quão difíceis sejam de alcançar no trabalho jornalístico, terminam sendo relegadas a um melancólico segundo nível de importância. Dessa forma, sua cobertura dos acontecimentos é a consagração do trivial ou, muitas vezes, apenas do senso comum. É a profundidade da lâmina de barbear deitada.
Na mesma linha podemos observar o papel desempenhado pela imprensa na formação de consumidores em detrimento de cidadãos. Tem sido comum encontrarmos “reportagens” que, ao fim e ao cabo, nada mais intentam que alavancar a venda de produtos, objetos, imóveis, máquinas e equipamentos etc. Cada vez mais “informes publicitários” são publicados de forma confusa e, muitas vezes, tentam se passar por reportagens. É dever prioritário do jornalista a busca constante de notícias, mas com responsabilidade, honestidade, independência, exatidão e imparcialidade.
** O controle do mercado das ideias
A característica empresarial dos meios de comunicação ocupa crescente relevo na atividade da comunicação. E um fator determinante do empresariado é reduzir a concorrência. Neste caso, os efeitos nocivos logo se apresentam com o fortalecimento do pensamento único e a adoção de práticas francamente corporativas.
Na situação atual do Brasil pode-se afirmar que o mercado das ideias, que deveria ser livre e aberto, encontra-se em perigo. Os veículos de comunicação podem até divergir em sua linha editorial, mas a divergência é mais cosmética – no que realmente importa, fecham-se em copas. As ideias postas em circulação necessitam de adequada repercussão e, para tanto, se submetem a filtros ideológicos.
É fato que diariamente veículos de comunicação erram. E não é isto que se encontra em discussão. Afinal, a infalibilidade está longe de ser atributo de jornalistas, redatores etc. A ética necessita permear qualquer ofício humano. E neste caso, a ética nada mais é que a observância de preceitos morais, o cultivo do senso de justiça, a livre e independente pesquisa da verdade. Mas se o indivíduo não preza a ética em sua vida privada dificilmente o fará em seu trabalho profissional.
** Resistência a transformações sociais
Os meios de comunicação muitas vezes se posicionam como pontas de lança na resistência a adoção de novas políticas públicas, em particular aquelas que têm como objetivo saldar dívidas históricas com segmentos vulneráveis da população. Tem sido assim com a questão do desarmamento, tem sido assim com a adoção de cotas para acesso à educação superior por parte de afrodescendentes e de indígenas. Para criar obstáculos a mudanças sociais tem sido comum a concessão de amplo espaço para o jornalismo de opinião, escalando-se intelectuais afinados com o discurso a ser defendido.
O clamor da sociedade para uma melhor qualidade da programação da televisão aberta tem sido constantemente rotulado pelos principais meios de comunicação como atentados à liberdade de expressão no país.
** O ocaso do “outro lado”
É comum a invasão da privacidade das pessoas. Revistas e jornais de circulação nacional começam a divulgação de escândalos sabendo de antemão quem são os bandidos. As reportagens buscam alcançar o veredicto esperado. A intensidade com que são feitas as denúncias não guarda paralelo com o interesse em se ouvir o saudável “outro lado”, as percepções sobre o mesmo tema colocadas sobre outros enfoques. É corriqueiro que os veículos de comunicação usurpem de funções privativas do Poder Judiciário: instauram processo, fazem a denúncia, promovem a acusação, escolhem os jurados que, na forma de opinião, defendem seus interesses e, finalmente, dão publicidade à condenação.
Na maioria dos casos recebem despreocupadamente a notícia de que serão processados por quem se sente caluniado, difamado. A despreocupação vem de um histórico em que os veículos são quase sempre absolvidos nas várias instâncias judiciárias. Juízes são contumazes em transformar crimes de calúnia e de difamação em meras práticas jornalísticas na investigação de um tema ou de uma pessoa. E se o demandante ocupa cargo público não é incomum que se levante até a tese do cerceamento da liberdade de imprensa.
As vítimas da imprensa, muitas vezes, desistem de recorrer dos julgamentos da imprensa. É que, uma vez perdida a batalha da imprensa, perde-se também a batalha da opinião pública. Perdendo essas duas, não existem condições para reaver direitos sequestrados através dos tribunais.
É imprescindível que o jornalista conheça – e conceda importância – a opiniões que contraditam suas fontes. É do choque de opiniões que poderá surgir a fagulha capaz de iluminar um texto jornalístico ou fornecer pistas para o jornalismo fundado na investigação. Não existe nada mais pernicioso no trabalho do jornalista do que escolher de antemão o desfecho para sua matéria e só então se lançar na pesquisa das linhas de investigação e de argumentação a serem seguidas.
Foi grande a minha surpresa ao ver que pensamentos como estes aqui esboçados encontraram eco naquela especialíssima audiência: nossos futuros repórteres, chefes de redação, editores, comentaristas de rádio, apresentadores de telejornais. E, quem sabe?, futuros donos de alguns veículos de comunicação.