Marx e Trotsky achavam que a corrupção no governo era uma consequência lógica do capitalismo, onde as empresas para escoarem seus produtos e as empreiteiras para ganharem obras públicas lançam mão das propinas.
Para ambos, a maneira de se evitar a infecção e propagação da corrupção nos países socialistas seria a de entregar o governo aos trabalhadores com salários médios de um operário para exercer essas funções. Trotsky não chegou a testar sua receita anticorrupção mas o comunismo não conseguiu impedir que a corrupção chegasse aos burocratas e aos dirigentes, mesmo se, como acontece na China, vez ou outra um processo por corrupção derruba e leva à prisão altos dirigentes.
Na França e na Alemanha, os casos mais flagrantes de corrupção ao nível partidário ou governamental envolveram tentativas de financiamento de partidos. O maior e mais famoso envolveu o CDU partido democrata cristão alemão e o chanceler Helmut Kohl. Para financiar suas campanhas eleitorais o partido mantinha diversas contas secretas, caixas dois, financiadas até por empresas estrangeiras envolvendo armamentos, empreiteiras e petróleo. O próprio presidente francês François Mitterrand teria autorizado a empresa Elf Aquitaine a fazer doações secretas para favorecer a reeleção de Helmut Kohl.
O fio do novelo que levou à queda de Helmut Kohl foi a descoberta pelo rigoroso fisco alemão de uma vultosa soma, um milhão de marcos alemães, não declarada pelo ex-tesoureiro do CDU, partido de Helmut Kohl. Como no processo brasileiro da Lava Jato, cada caso de fraude e caixa dois leva a outro, envolvendo empresas estrangeiras italianas e suíças até chegar ao chanceler Helmut Kohl. Apesar de suas insistentes negativas, Kohl acabou sendo obrigado a se demitir. A lição deve ter servido para o CDU, pois não existe mais a suspeita de corrupção, quando esse partido retornou ao poder com a atual chanceler Angela Merkel.
Há dois anos, foi o prefeito de Montreal, no Canadá, o demitido e processado por corrupção, num momento em que a imprensa local falava em corrupção generalizada, esta nem sempre ligada ao financiamento de partido. Na França, o ex-primeiro-ministro Alain Jupé e atual prefeito de Bordeaux, chegou a ser condenado num processo por corrupção, ligado a financiamento de partido, e passou algum tempo impedido de exercer cargo público.
A tentação de permanecer no poder é sempre grande e estimula em alguns partidos a idéia de obter financiamentos ocultos e não declarados. Estes casos estariam próximos do nosso « Mensalão », pois o dinheiro recolhido tem só o objetivo de financiar o funcionamento do partido e suas campanhas eleitorais.
Já não se pode definir como financiamento de partido, quando certos políticos negociam facilidades e vantagens para certas empresas ganharem concorrências públicas, ficando com eles mesmos as propinas obtidas. É o caso do nosso « Petrolão ».
Uma diferença fundamental existe entre esses casos citados e o Brasil – nesses países onde tem ocorrido casos de corrupção, a Justiça tem toda liberdade de agir sem se criar no país um clima de crise institucional.
No Brasil, a descoberta do Mensalão, solução encontrada para o PT governar mas até hoje negada pelo partido, quase provocou a queda do presidente Lula. O atual caso do Petrolão, novamente negado contra todos os fatos pelo PT, estimula uma campanha contra o Judiciário, incompreensível para quem está de fora. E acontece on inacreditável – a maioria dos processados corruptos é considerada vítima pelos próprios eleitores pobres petistas, manipulados para não verem que o rombo da corrupção nas empresas públicas vai custar caro para o Brasil e indiretamente para todos os contribuintes.
O cenário, como já escrevi em outra oportunidade, tem tudo de uma ópera bufa ou palhaçada, tantos são os argumentos furados e esfarrapados utilizados pela direção petista para ludibriar seus seguidores. No caso atual, da prisão do senador Delcídio, chega a provocar risos a rapidez com a qual a direção petista tentou desvincular o senador corrupto do seu partido, mesmo sendo ele o líder da bancada petista no senado.
Para a esquerda brasileira, esse festival de bandalheira que assola o país é, além de desolador, uma tragédia, porque o PT nascido com a estrela vermelha esquerdista vai estigmatizar, se já não estigmatizou, toda tentativa de esquerda para recolocar o país nas reformas sociais e dentro dos valores éticos normais. É também dramático porque os petistas, ao invés de cobrarem de seus dirigentes esse vergonhoso desvio, insistem em reafirmar sua confiança no partido, culpando a grande imprensa e a oposição, recusando todas as evidências de corrupção. Ou então justificam, afirmando ter sido a mesma coisa nos governos anteriores, numa inesperada perversão ética.
Outros dizem serem obrigados a desculpar tudo isso, em favor da plataforma de mudanças sociais feitas no país pelo PT. Houve realmente grandes avanços no Brasil em favor da grande parte da população antes excluída, mas o trabalho não foi concluído e com a virada econômica do atual governo, muita coisa pode se perder. O Brasil viveu bons momentos nos últimos anos em grande parte pelas importações chinesas de nossas matérias primas. Entretanto, infelizmente o Brasil seguiu a velha cartilha e não aproveitou essa fase de progresso para desenvolver ou construir suas bases e estruturas industriais, satisfazendo-se com a euforia do consumismo proporcionado pelas ajudas sociais.
Infelizmente esse quadro internacional favorecendo exportações a bons preços acabou. Teremos muitos anos magros pela frente que poderão provocar agitações sociais e a esquerda, hoje estigmatizada pela corrupção, terá dificuldade para se afirmar junto ao povo. Só uma alternância no poder permitirá o processo de depuração necessário, para que a verdadeira esquerda surja com seus verdadeiros projetos sociais de mudanças.
Está na hora de todas as esquerdas brasileiras se unirem para desmistificar a farsa atual decorrente da mentira eleitoral. É inadmissível se justificar ou se continuar aceitando esse escandaloso acordo pelo qual Cunha não é cassado por corrupção para garantir não haver impeachment.
Essa dita esquerda que está aí não é a minha esquerda. Que também não seja a sua.
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Rui Martins é editor de Direto da Redação, escritor, correspondente do jornal Expresso (Portugal), Radio França Internacional e Deuteshce Welle (Alemanha). Vive em Genebra, Suíça.