Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os intelectuais midiáticos

Na sociedade do espetáculo praticamente todas as esferas sociais são passíveis de se enquadrar no prisma midiático. Grande parte das atuais cantoras é reconhecida mais por seus dotes físicos do que propriamente pela afinação ou conteúdo de suas canções. A Copa do Mundo de futebol há muito tempo deixou de ser uma mera competição esportiva entre nações para se transformar em um evento que possui bilhões de telespectadores em todo o planeta e movimenta vultosas quantias em dinheiro. Na arena eleitoral, não basta que um candidato apresente boas propostas (isso talvez seja até secundário); é preciso ter um ótimo marqueteiro político e saber se portar diante das câmeras.

Diante desse contexto, não demoraria muito para que o ambiente universitário (ainda considerado por muitos acadêmicos como um campo “afastado” e “superior” à realidade externa) também fosse absorvido pela sociedade do espetáculo. Eis então que surge uma nova figura no status quo pós-moderno: o “intelectual midiático”. Para ser um “intelectual midiático”, não é necessário ser reconhecido pelos seus pares ou tampouco possuir uma obra acadêmica contundente e profícua. Entretanto, além de apresentar a já citada desenvoltura diante das câmeras, o aspirante a “intelectual midiático” tem que seguir pelo menos três regras básicas: seu discurso deve ser totalmente condizente com o pensamento conservador da mídia hegemônica, ter a hercúlea capacidade de simplificar questões demasiadamente complexas para o grande público e criticar frequentemente o atual governo federal, não importa qual seja o assunto em pauta. No atual cenário brasileiro, os principais intelectuais midiáticos são o cientista social Demétrio Magnoli, o historiador Marco Antonio Villa e o filósofo Luiz Felipe Pondé.

Demétrio Magnoli é comentarista de política internacional do canal GloboNews. Sua principal especialidade é reverberar o discurso imperialista dos Estados Unidos, demonizando tudo que remeta ao mundo muçulmano, Cuba, Venezuela, Bolívia, Rússia e Coreia do Norte. O cientista social também é conhecido por sua sistemática campanha contra as cotas raciais em universidades públicas. Corroborando o pernicioso mito da democracia racial, para Magnoli no Brasil “a fronteira racial não existe na consciência das pessoas”. Desse modo, não é por acaso que a revista Época colocou Demétrio Magnoli na lista dos “novos trombones da direita”.

Correias de transmissão do pensamento conservador

Já Marco Antonio Villa, comentarista do Jornal da Cultura, tem por obsessão atacar o Partido dos Trabalhadores. Em artigo denominado “A revolução cultural do PT”, recentemente publicado no jornal O Globo, Villa critica veementemente o projeto do governo federal que pretende reformular os currículos do ensino básico. Os motivos para tal revolta: a proposta do currículo de História negligencia alguns acontecimentos da civilização ocidental e, por outro lado, contempla os estudos de sociedades ameríndias e africanas. Para um professor conservador, como Marco Antonio Villa, deve ser difícil aceitar que “povos selvagens”, como indígenas e negros, também possam estar presentes nos currículos escolares.

Por fim, Luiz Felipe Pondé parece ser o acadêmico melhor adaptado ao formato midiático. O filósofo paulista encaixa-se perfeitamente no estilo denominado “politicamente incorreto”, eufemismo para a disseminação “bem humorada” de vários tipos de preconceito. Ao contrário dos outros “intelectuais midiáticos” aqui citados, Pondé não se limita a assuntos considerados “sérios” e é presença constante nos mais variados tipos de programa de entretenimento, como “Pânico no Rádio”, transmitido pela Jovem Pan ou “The Noite”, exibido pelo SBT. Em suas inúmeras polêmicas, Pondé já afirmou que “palestinos morrem por marketing”, “feministas não entendem nada de mulher” e jovens da “esquerda festiva” têm mais facilidade para “pegar” mulheres, pois seus discursos contra as injustiças sociais são propícios para atrair o sexo oposto. Mal sabiam os antigos gregos que a nobre arte de filosofar um dia contaria com as “pérolas” do grande “pensador” do século 21, Luiz Felipe Pondé.

Nos estudos psicanalíticos, quando um indivíduo utiliza argumentos supostamente racionais para justificar aspectos obscuros de sua personalidade, dizemos que ele recorreu ao mecanismo de defesa do ego denominado “racionalização”. Prática semelhante ocorre em nossa imprensa no tocante à presença dos “intelectuais midiáticos”. Com o intuito de atribuir um padrão supostamente “científico” à grade de programação, muitos veículos de comunicação convidam os “intelectuais midiáticos” para legitimarem suas posições controversas que, não raro, são fomentadas a partir de visões racistas, classistas, misóginas ou pró-imperialistas. Sendo assim, em troca de visibilidade midiática, ou mesmo por pura vaidade, indivíduos que teoricamente deveriam contribuir para a difusão do conhecimento transformam-se em meras correias de transmissão para o que há de mais nefasto e conservador no pensamento brasileiro. Lastimável contrassenso.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestrando em Geografia