Uma noite, na tradicional coletiva que o regime do coronel Gaddafi oferece todos os dias no hotel Rixos, em Trípoli, uma carta foi entregue aos jornalistas.
Era a cópia de um comunicado a Li Baodong, presidente do Conselho de Segurança da ONU. Para os jornalistas, sobressaiu o sexto parágrafo.
‘Nenhuma restrição é imposta aos jornalistas estrangeiros. Correspondentes trabalham livremente na Líbia, e todas as necessárias instalações são fornecidas a eles. Eles têm liberdade de movimento, exceto em áreas controladas pelos terroristas da Al Qaeda’, dizia o texto.
A realidade é que jornalistas não podem trabalhar livremente, apesar das inúmeras promessas de pessoas como Saif al Islam, filho do ditador, e do vice-chanceler Khalid Khaymen.
Nos últimos dias, o Guardian foi detido duas vezes por testar essas promessas. A primeira, por seis horas e meia, perto da cidade de Zawiyah, após visita a instalações de inteligência.
No episódio, disseram aos jornalistas que eles seriam vendados e levados a um lugar não identificado.
Na segunda ocasião, o repórter do jornal foi detido por três horas por paramilitares em um posto de controle – junto com outros 24 jornalistas detidos em Trípoli num único dia.
Jornalistas de outras nacionalidades, todos com permissão para trabalhar no país, têm sido submetidos a tratamento ainda pior: alguns passaram a noite detidos, foram espancados por milícias ou ameaçados com armas carregadas.
Sem proteção
Autoridades responsáveis pela imprensa têm pouco interesse em protegê-la. Quando o ‘Guardian’ foi detido no sábado, o chefe do escritório de imprensa disse aos que buscaram ajuda que ele havia ‘lavado as mãos’. Havia um ‘preço a pagar’ por não seguir as regras .
Quando os homens de Gaddafi ajudam, é nos termos mais sinistros. Um porta-voz do governo, Moussa Ibrahim, falando com um grupo de jornalistas que esperava um discurso de Gaddafi no hotel, aconselhou os fotógrafos a não subirem ao primeiro andar. ‘Se vocês subirem, vão ser mortos imediatamente. Estou só avisando. Estou tentando ajudar.’
Se há um senso de ameaça contra a mídia internacional, as consequências para os líbios que falam com a gente são muito mais sérias.
Na sexta-feira (4/3), um jovem de uma região opositora em Trípoli, foi preso diante de nós após uma conversa.
Coletivas surreais
O conteúdo das coletivas de imprensa beira o surreal. Operações ofensivas viram operações defensivas.
O que leva à pergunta: por que estamos aqui? A resposta é preocupante. Jornalistas estão em Trípoli para dar o pano de fundo para os pronunciamentos do governo.
Não somos apenas o inimigo. Somos uma audiência cativa. Ao registrar o que os porta-vozes e Gaddafi dizem, damos crédito a suas declarações, por mais extravagantes que sejam.
A alternativa para as tentativas arriscadas de fazer jornalismo independente é aquilo a que o governo dá acesso. Todos os dias, os jornalistas se reúnem no Rixos à espera de um tour a uma localidade onde, inevitavelmente, um teatrinho do regime foi montado.
Enquanto isso, o que está acontecendo com os civis líbios é efetivamente censurado. Em algum momento, por nossa mera presença, ao sermos ineficazes, nos tornaremos cúmplices da censura.
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Do The Guardian, em Trípoli