Numa quinta-feira (12/4), o blog Em Cima da Mídia, do jornalista Mauro Malin, divulgou uma entrevista com o economista Otaviano Canuto, diretor do Banco Mundial em Washington, onde está há três anos. Ele diz que a cobertura do quadro econômico internacional pelos jornais brasileiros é incompleta. ‘Com algumas exceções, não é sistemática, fica muito dependente de modas ou de algum tópico que se torna estrela da noite para o dia. Não tem muito background, às vezes, não entra como parte de uma cobertura que permita ao leitor saber o que esperar a partir dali’, avalia Canuto.
Eu comentei o post dizendo que o diretor do Banco Mundial está coberto de razão. O brasileiro está nas mãos do capital financeiro internacional e paga por isso um preço enorme, se contabilizados nossos milhões de miseráveis reais e os bilhões de dólares em juros e remessas de lucros que saem do país. Mas sequer tem informação sobre o que se passa lá fora (com reflexos quase imediatos aqui), a menos que tenha acesso ao Monde, ao Financial Times ou ao New York Times…
Nossos jornais não se dão ao trabalho, sequer, de examinar questões como o da renda fixa garantida pelo governo a quem tem dinheiro mas não se anima a investir em atividades produtivas. Pois sabe que é mais lucrativo embolsar aqueles 8% ou mais de juros líquidos pagos por ano pelo governo a quem lhe empresta dinheiro. Como disse recentemente a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, segundo um colunista da revista Veja.
Juros escorchantes
Esse é um problema antigo, de mais de meio século, que nunca foi aprofundado por nenhum grande jornal brasileiro. Há forças poderosas, e não ocultas, interessadas em manter-nos eternamente ignorantes nessa questão, ao contrário de outros países que despertaram e ultrapassaram o Brasil em desenvolvimento, como Japão, Coréia, China e Índia. Em muitos deles, a renda fixa é de 1% ao ano e quem tem dinheiro não quer emprestar ao governo – vai montar seu próprio negócio, criando empregos e desenvolvimento.
Aqui nós temos excesso de economistas sabidos e jornalistas ignorantes. Os primeiros se locupletam com aquelas forças poderosas. Os segundos se contentam, a maioria, em receber no fim do mês o mínimo do mínimo e ter um emprego garantido, sem se arriscar desafiando a posição cômoda e ignara dos patrões. Ou, a minoria, a embolsar um bom dinheiro para também se locupletar. Enquanto isso, o Santander e outros bancos estrangeiros vão-se capitalizando com os juros que cobram aqui e, de lambuja, com as altas taxas, para ir comprando posição no comando das empresas brasileiras, inclusive jornalísticas. Tudo bem, para quem acha que o destino do Brasil é o de eterno colonizado.
Sobre os juros escorchantes que pagamos – nós e o governo –, a ministra Dilma tem o que dizer, mas ninguém quer prestar atenção. Eles são escorchantes porque o governo, há pelo menos 50 anos, escolheu remunerar bem a renda fixa para quem não quer trabalhar. Era uma forma de nosso governo, que sempre combateu o comunismo, inimigo do livre mercado, ir dominando a economia (no auge do regime militar, respondia por mais de 70% do PIB), ao mesmo tempo em que ia enriquecendo nossos capitalistas.
Explicação em inglês
Pagando juros reais de mais de 8% aos que lhe emprestam dinheiro, o governo Lula continua sendo o maior fomentador dessa nossa espécie de capitalismo que nada produz, a não ser a miséria de 20 milhões de pessoas (no mínimo). Para fazer com que o capital produza e o país se desenvolva, Lula teria que fazer como lá na China: baixar o juro da renda fixa para 1% (no máximo). Mas ele não mexe nesse vespeiro, é claro. Não enquanto tiver o apoio de 49% dos brasileiros e de 100% dos banqueiros, daqui e de acolá.
A situação chega a um tal ponto de escândalo que um ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, e os economistas Márcio Holland e Fernando Gonçalves escreveram um artigo publicado pelo jornal Valor Econômico sob o título ‘Entendendo o mistério dos juros altos’ para responder, segundo o jornalista Paulo Henrique Amorim, à pergunta: por que cargas d’água o Brasil haveria de ser diferente dos outros países emergentes?
Segundo os três economistas, a estimativa da taxa-meta dos juros nominais para o Brasil deveria ser hoje de 10,5%, ou seja, 2,25 pontos percentuais menos do que a atual taxa Selic. Quem tiver uma calculadora e for bom de matemática pode fazer a conta, para ver o que significam esses 2,25 pontos percentuais em excesso sobre uma dívida do governo de cerca de R$ 1 trilhão. Amorim, em seu blog Conversa Afiada, direciona o leitor interessado no artigo para o site da Escola de Economia da FGV-SP. Estive lá: o texto disponível está em inglês, o que faz sentido – é coisa para ser lida pelos bacanas do mercado financeiro e do governo; não é para o meu bico.
Gargalos herdados
Como sempre, sem se referir ao problema dos juros, o jornal Estado de S. Paulo publicou na terça-feira (17/4) editorial em que lamenta:
‘É injusto chamar o Brasil de gigante adormecido. É apenas um gigante pesadão e lento, condenado, ninguém sabe até quando, a seguir de longe as economias mais dinâmicas. A diferença ficou evidente, mais uma vez, nas últimas projeções divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A economia brasileira deve crescer 4,4% neste ano e 4,2% no próximo, segundo os novos cálculos. Será um desempenho melhor que o previsto no cenário anterior, publicado em setembro, mas o País continuará bem atrás do pelotão mais veloz. Os emergentes deverão crescer em média 7,5% em 2007 e 7,1% em 2008. O bloco da Ásia seguirá disparado na frente, com taxas de expansão de 8,8% e 8,4%.’
Tudo bem, os petistas no comando do país não têm do que reclamar. Seu PIB individual deve ter crescido em média muito mais do que isso, a cada ano, desde 2003.
Segundo o jornalista José Truda Jr., comentando o editorial no site Comunique-se, ‘essa cobrança dos jornalões, que dizem querer crescimento a todo custo, é só para a platéia ver. Em páginas escondidas, eles mesmos explicam que o país não cresce por falta de energia e de condições para escoar a produção, os dois principais gargalos herdados das administrações pós-militares’.
Pagando pela incompetência
Há muitos outros gargalos, segundo o economista José Paschoal Rossetti, professor da Fundação Dom Cabral: as restrições orçamentárias estruturais (crescimento dos dispêndios correntes e superávit primário menor que os juros da dívida); as destinações improdutivas da alta carga tributária, para pagar juros da dívida pública, manter a estrutura burocrática e a previdência social; as limitações à capacidade de endividamento e de tributação; as dificuldades de implementação das PPPs por causa do viés ideológico, da falta de recursos para a contrapartida do setor público e por problemas na governança dos projetos.
Ainda: insuficiência de fundings de longo prazo no país; diminuta expressão do mercado de capitais; ônus tributário sobre bens de capital; restrições crescentes da política ambiental; a complexidade desmotivante da burocracia; os gargalos em suprimentos básicos; a competitividade global do país em queda; as inseguranças jurídica, contratual, regulatória e pessoal e patrimonial (por causa do crime organizado e da violência); a atratividade comparada mais alta de grandes e pequenos países emergentes situados nos Bálticos, na América Central, na Ásia e na África e na Europa Central e do Leste.
E não pára aí: taxa de câmbio valorizada, remessas de lucro competindo com novos ingressos, retardamento de decisões de investimentos, interrupção das privatizações, risco-país ainda alto (abaixo do ‘grau de investimento’), instabilidade política e ressurreição de correntes nacionalizantes e estatizantes na América Latina, resistência à constituição da Alca, entre outros.
Como se vê, existem estudos e diagnósticos convivendo com a insignificante ação do governo para remover os obstáculos ao desenvolvimento. Daí o pouco entusiasmo da imprensa com o recém-lançado PAC.
Na década de 1970, vivíamos o auge de um processo iniciado uns 20 anos antes, no governo JK, no qual o Estado procurava se capitalizar a qualquer custo, tomando empréstimos a juros altos, para promover o desenvolvimento. O resultado foi a concentração do poder econômico e político nas mãos incompetentes dos governantes e da burocracia de Estado. Uma incompetência da qual se aproveitou o capital nacional e estrangeiro, sobretudo o financeiro, esticando tanto a corda que ela se rompeu. Aí o governo teve que criar às pressas – e mais uma vez de forma incompetente – o Proer, para salvar a banca privada e para sanear de qualquer jeito os bancos estatais e vendê-los na bacia das almas.
Estamos pagando por isso até hoje e, pelo andar da carruagem, por dezenas de anos à frente.
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Jornalista, Belo Horizonte, MG