O ombudsman é o jornalista que tem a liberdade de criticar e analisar, com independência e autonomia, a empresa na qual trabalha. Ele, mais do que qualquer outro profissional da comunicação, tem o direito de dizer o que pensa. Além disso, cabe a ele a responsabilidade de expor as críticas e reclamações dos leitores.
Carlos Eduardo Lins da Silva, ex-professor da USP e que já teve experiência de trabalhar em diversos e importantes veículos da comunicação, foi o último ombudsman do jornal Folha de S.Paulo – primeiro veículo no Brasil a implantar tal cargo na sua redação. Na entrevista a seguir, concedida quando ele ainda ocupava o cargo, o ex-ombudsman dá o seu parecer sobre sua função, os meios de comunicação e o processo de democratização do acesso a informação.
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No contexto atual, no qual a participação do público ganha cada vez mais importância, a função do ombdusman passa a ter uma nova dinâmica, um novo valor?
Carlos Eduardo Lins da Silva – Creio que sim, a dinâmica mudou muito. Meus antecessores na era anterior à internet se comunicavam certamente com menos leitores do que eu, que chego a receber às vezes mais de cem mensagens num só dia. Não sei se isso aumenta o valor da função, mas certamente modifica a dinâmica do trabalho.
O ombudsman tem autonomia para criticar a empresa onde trabalha. Normalmente, o jornalista deve fazer o que o ‘chefe’ manda. Quão diferente é a atuação jornalística sem esse patrão? Ela é totalmente livre? Gera algum problema ou desconforto com o jornal ou colegas criticados?
C.E.L.S. – Minha experiência é de absoluta autonomia. Claro que tenho um patrão, que me paga o salário, mas nem ele nem qualquer preposto seu jamais interferiu de qualquer maneira no meu trabalho. Eu decido absolutamente sozinho sobre o que e o que vou escrever. Nunca recebi nenhum pedido para abordar ou deixar de abordar nenhum tema.
Uma questão bastante polêmica e, pelo visto, longe de terminar, é a do diploma de jornalista. As grandes empresas de comunicação argumentam que a exigência da formação é uma herança da ditadura e um limitador da liberdade de expressão. Já órgãos como a Fenaj e alguns jornalistas afirmam que é preciso preservar a regulamentação da profissão e que a formação é uma garantia de informação com qualidade. Como você avalia a necessidade do diploma e os interesses em jogo?
C.E.L.S. – Não acho a obrigatoriedade do diploma em curso de Jornalismo uma questão relevante. Acho importante haver boas escolas de Jornalismo. Quem se formar em boas escolas terá certamente melhores chances de êxito na profissão. Diploma de escola ruim não garante qualidade profissional do formando.
‘Uma clara situação de censura judicial’
Há pouco tivemos a 1ª Confecom (Conferência Nacional de Comunicação). O evento foi marcado por discussões polêmicas, entre elas conselho de fiscalização, limitação da propriedade cruzada dos meios e regulamentação do conteúdo. Os meios de comunicação no Brasil precisam ser fiscalizados ou ter alguma orientação (leis ou diretrizes) a respeito da forma como devem atuar?
C.E.L.S. – Acho que os meios de comunicação já são fiscalizados pela sociedade por meio da Justiça e do mercado. Nada, além disso, me parece necessário nem aconselhável.
Ainda sobre a Confecom. Os representantes da sociedade civil criticam a falta de democratização da comunicação e o perigo da concentração dela nas mãos de poucos grupos. A situação atual do acesso, produção e consumo é a ideal ou está longe disso?
C.E.L.S. – Nunca a comunicação social foi tão aberta e democrática. Há até algumas décadas para alguém poder manifestar publicamente sua opinião precisava de muito dinheiro. Atualmente, pela internet, qualquer um pode, quase sem custo, expor sua opinião e suas informações ao mundo.
A Folha de S.Paulo protagonizou alguns lances que mexeram com a opinião pública, como a questão da ‘ditabranda’ e a ficha do Dops da Dilma Rousseff. Há uma explicação para casos como esses? O jornal perdeu credibilidade?
C.E.L.S. – Esta pergunta deve ser dirigida aos responsáveis pela Redação da Folha, por quem eu não posso falar.
O Estado de São Paulo já está há mais de 200 dias ‘sob censura’ (o Estado usa as aspas). A proibição concedida pela justiça pode ser considerada censura?
C.E.L.S. – Não emito opiniões sobre outros veículos de comunicação além da Folha. Mas, sem dúvida, o caso do Estado constitui clara situação de censura judicial.
‘Fiz de tudo na carreira de jornalismo’
Os telejornais de alcance nacional têm como foco de produção e análise das notícias o eixo Rio-São Paulo. Isso não chega a causar uma distorção nos critérios que definem o que é a notícia e na maneira como ela é apresentada?
C.E.L.S. – Não assisto a telejornais brasileiros há 19 anos. Não tenho como opinar.
Qual a sua opinião sobre as principais pautas adotadas pela mídia no que diz respeito aos grandes temas – política, economia,sociedade, cultura e esporte. As abordagens dessas matérias atendem a necessidade da maioria da população?
C.E.L.S. – Acho que a pauta da Folha de S.Paulo ainda tem muito a melhorar e era sobre isso que escrevia, semanalmente, nas minhas colunas.
Existe mesmo um duelo entre a chamada ‘grande imprensa’ e ‘imprensa alternativa’?A sociedade é beneficiada por essa disputa? Quais procedimentos ela deve adotar para saber como se posicionar?
C.E.L.S. – Acho essa dicotomia ultrapassada há anos.
Como professor universitário, de que forma você vê a formação dos estudantes de Jornalismo? E o mercado de trabalho que espera por eles?
C.E.L.S. – Não exerço a docência universitária em jornalismo no Brasil há 19 anos. Não tenho como responder a esta questão.
Você trabalhou como ombudsman em um dos principais jornais do país e já foi professor de uma das faculdades de maior destaque, a Universidade de São Paulo (USP). Como avalia a sua carreira jornalística? Há alguma coisa que gostaria de fazer?
C.E.L.S. – Acho que fiz tudo que alguém pode fazer na carreira de jornalismo: fui aluno, professor, repórter, redator, editor, correspondente internacional, dono de jornais e revistas, diretor de grandes jornais, diretor na área econômica de um grande jornal, âncora de programa de TV, repórter de rádio, consultor de relações públicas, fiz jornalismo sindical, empresarial, partidário, de cooperativa, agora sou ombudsman. Só não trabalhei para governo como assessor de imprensa e isso não pretendo fazer. Acho que já posso me aposentar ou morrer em paz.
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Estudante de Jornalismo na UNESP, Bauru, SP