Há mais pontos importantes por trás da abordagem de Israel à frota de embarcações que tentou furar o bloqueio a Gaza. Fica claro que hoje há uma mudança de mentalidade capaz de transformar significativamente o conflito árabe-israelense. A grande aliança xiita que pretende se firmar como força hegemônica no Oriente Médio percebeu que os embates militares podem até voltar a ocorrer, mas crê de forma clara que a guerra de propaganda é atualmente muito mais fundamental para que alcance seu objetivo. E este é um ponto central em todo o imbróglio envolvendo a invasão israelense ao comboio marítimo.
Para recapitular e entender o raciocínio estratégico desse grupo de países e organizações (Irã, Turquia, Síria, Hezbolah e Hamas): desde que Israel declarou independência, em 1948, houve três grandes conflitos armados entre o Estado judeu e seus vizinhos árabes – a própria Guerra de Independência, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Em todos esses confrontos físicos, os exércitos dos países árabes se envolveram diretamente. Em todas as ocasiões, foram derrotados. Pior, a partir desses eventos, Israel se tornou a maior potência militar regional e conseguiu aumentar seu território. Ou seja, em todos os conflitos, os países vizinhos perderam muito e não ganharam nada.
A estratégia da Turquia
A verdade é que a causa palestina nunca foi prioridade entre os árabes. No entanto, Irã e Turquia – que são Estados islâmicos não-árabes, diga-se de passagem – perceberam uma grande oportunidade a partir da popularidade internacional palestina. Como os dois países pretendem liderar o grupo de novas potências no Oriente Médio, eles notaram que os palestinos podem representar o trampolim necessário para que alcancem seus objetivos. E de formas diferentes: primeiro porque este é o único tema capaz de mobilizar a opinião pública árabe e islâmica de todo o mundo. Segundo, isolar Israel pode representar, além do óbvio, uma espécie de garantia de que o governo israelense será condenado internacionalmente se decidir dar qualquer passo militar. Para ser mais claro, alguém imagina neste momento que algum país relevante iria apoiar uma ação militar do Estado judeu para frear o programa nuclear iraniano?
O momento não poderia ser mais propício para pôr em prática esta nova estratégia de guerra da informação. Vale lembrar que foi a Turquia quem convocou a reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU para debater a abordagem à frota. Vale lembrar também que Ancara ocupa hoje assento rotativo neste mesmo conselho.
Para o Irã, a aliança com os turcos é fundamental. Graças a ela, Ahmadinejad vai conseguir dar um nó na comunidade internacional usando de seus próprios mecanismos. Por exemplo, a Turquia não vai permitir qualquer ataque ao Irã, seja um confronto armado, seja a aplicação de sanções, enquanto permanecer no Conselho de Segurança. Ao mesmo tempo, os turcos fazem parte da Otan, a aliança militar ocidental, cujo pacto fundamental deixa claro que um ataque a um dos membros deve ser interpretado como um ataque a todos eles. Ou seja, os demais países devem partir em defesa do país atacado. Já deu para entender o que isso significa, certo?
Ingenuidade belicista
Essa estratégia de mudança do eixo de poder internacional envolve também, é claro, o enfraquecimento diplomático de Israel. Afinal, com o país ainda mais isolado, os Estados Unidos perdem sua única ligação importante com o Oriente Médio. Quem poderia ser um interlocutor fiel aos americanos na região? Síria, Irã, Turquia? Creio que não.
As peças todas se encaixam para permitir que a aliança silenciosa xiita alcance todos os seus objetivos estratégicos. Somente o governo de Israel comandado por Benjamin Netanyahu não percebe isso. Enquanto os demais países têm tomado decisões estratégicas baseadas em relações públicas e propaganda, o atual gabinete israelense prefere continuar a responder de maneira estomacal, como aconteceu há pouco. Se essa diretriz permanecer – e não há sinais de que haverá qualquer modificação –, Israel vai novamente contribuir ingenuamente para levar a cabo as grandes mudanças políticas no Oriente Médio.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ