Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os orçamentos da Copa e das Olimpíadas

“Além dos projetos incompletos ou excluídos, há ainda a previsão de gastos de R$ 10 bilhões”, diz o texto de chamada da Folha de S.Paulo (18/6/2011) com relação ao orçamento de gastos para a realização da Copa de 2014 no Brasil. No início de 2011, a cifra total dos gastos previstos para a Copa era de R$ 23,7 bilhões, conforme amplamente noticiado pela imprensa. No que se refere ao orçamento para a realização das Olimpíadas de 2016 no Brasil, “pela previsão inicial, deverão ser gastos R$ 28 bilhões”, diz a revista Exame em outubro de 2010.

Em se tratando de orçamentos de obras no Brasil, certamente esses valores subirão muito, ainda; basta citar o que a imprensa vem noticiando com relação aos orçamentos, por exemplo, de estádios de futebol: para a construção do Arena Itaquera, o valor necessário para o estádio sair da maquete pulou de R$ 600 milhões para 1 bilhão, e o custo da reforma do Maracanã, no Rio de Janeiro, saltou de R$ 600 milhões para R$ 1 bilhão. A propósito, alguém explica essa dupla coincidência de valores?

O foco deste artigo, porém, não são os valores em si, mas sim a destinação desses valores. E qual o porquê da redação deste artigo? Porque não vi na imprensa nenhum texto comparando essas cifras astronômicas com orçamentos governamentais nas variadas áreas de investimento público, nem o que se poderia fazer com esse dinheiro, caso fosse direcionado para determinada área. Portanto, vejamos: o que é importante e urgente para o país agora, de imediato, e ao longo desta década? Tirar o nosso imenso atraso nacional – por ordem de prioridade, na educação, na saúde, no saneamento básico, na segurança e na infraestrutura, e também na área política.

Cortadores de cana

Por que educação em primeiro lugar? Porque uma população educada, e, portanto, mais esclarecida, cuida melhor de sua própria saúde e se alimenta melhor, tirando boa parte do peso dos custos governamentais da área da saúde. Uma população educada se manifesta contra a falta de saneamento básico porque sabe da sua importância. Uma população educada tem mais perspectivas de trabalho, diminuindo o cordão dos criminosos e aliviando os gastos com segurança. Uma população educada exige melhorias na infraestrutura porque as deficiências nessa área afetam todos os setores da sua vida. E uma população educada vota melhor, porque está mais preparada para analisar, de forma crítica, os candidatos e suas propostas – a esse propósito, recentemente uma integrante do programa de TV CQC foi a Brasília perguntar a deputados o que significava Bovespa, e a maioria dos indagados não sabia. Em termos nacionais, o que se pode esperar de um representante do Congresso Nacional que não sabe o que é Bovespa?

Enfim, a educação eleva o padrão de vida em todos os aspectos – tangíveis e intangíveis. E um adendo: até os comentários de indignação com os valores orçados para os eventos da Copa e das Olimpíadas e com o sigilo dos orçamentos das obras, inseridos em vários sites de veículos de imprensa e em blogs, por conterem pérolas como “ingreço”, “milhionário”, “mizeria”, “a [há] poucos dia”, entre outras, revelam a imensa necessidade de um projeto de Estado, ou seja, de um projeto suprapartidário, de longo prazo, na área da educação.

Ainda na área da educação, vejamos um assunto do momento, o dos cortadores de cana. Segundo noticiado pela imprensa, máquinas de corte de cana estão sendo introduzidas nos canaviais, cada uma substituindo o trabalho de 80 cortadores de cana, em sua maioria analfabetos e, portanto, sem perspectiva de conseguir outros postos de trabalho. Para onde irá essa mão de obra? Para o crime? Para o trabalho escravo – que ainda existe no Brasil de hoje? Para a miséria absoluta ou quase absoluta, se contar com alguma bolsa do governo? Outro assunto que vem sendo amplamente noticiado: a falta de mão de obra capacitada para preencher vagas disponíveis no mercado, ocasionando inclusive a importação de mão de obra estrangeira.

E o nosso salto à frente?

Já na segunda metade da década de 1980, a China divulgava a seus turistas visitantes seu plano de “Grande salto à frente” (no material de propaganda em inglês, Great Leap Forward) nas várias áreas de gestão do Estado, além do que é amplamente sabido o grande salto à frente na educação da Coreia do Sul.

Qual a vantagem de sediarmos e de gastarmos tanto dinheiro em obras para a Copa e para as Olimpíadas, em prejuízo de itens tão mais prioritários em nossa pauta nacional? Além do mais, está claro que o Brasil não está pronto agora para receber esses eventos, como provam a falta de planejamento e o atraso das obras; até o Pelé declarou estar preocupado (e até envergonhado) com a organização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Infelizmente, a assunção desses compromissos parece ser resultado de um ufanismo extemporâneo da última gestão, ufanismo esse cujos gastos gerarão um turismo nacional temporário em detrimento de uma atração de investimento estrangeiro continuado ou até permanente – por exemplo, hipoteticamente, de uma nação que oferecesse uma população/mão de obra educada e uma infraestrutura de portos/aeroportos, ferrovias e estradas condizente com um respeitável volume de investimento estrangeiro.

Para encerrar, fica uma pergunta para os especialistas na área: em um cenário futuro, qual teria sido o tamanho do nosso salto à frente se tivéssemos carimbado todo esse dinheiro para investimento na educação?

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[Lenke Peres é tradutora especializada na área de negócios e autora do Dicionário de Termos de Negócios, português-inglês / inglês-português, ed. Saraiva, 2011]