Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os pesos e medidas da imprensa

Por conta do caso envolvendo a já ex-ministra Matilde Ribeiro, quero cumprimentar o presidente Lula pela total liberdade que tem dado à Controladoria Geral da União (CGU) para investigar seu governo, e também por ter criado o Portal da Transparência na internet, no qual se pode saber quanto, quando, onde e por quem foi feito cada gasto do governo federal.

Os mal-intencionados quererão ver na demissão da ministra a prova de que o governo Lula é o ‘mais corrupto da história’. Esquecem de dizer que quem investigou e divulgou gastos irregulares dela foi um órgão vinculado à Presidência da República, a CGU, e que o cargo de ministro-chefe da Controladoria é de livre provimento pelo presidente da República.

Muitos não sabem disso, no entanto. Assim sendo, reproduzo, abaixo, a caracterização da CGU que consta em sua página na internet.

‘A Controladoria-Geral da União (CGU) é o órgão do Governo Federal responsável por assistir direta e imediatamente ao Presidente da República quanto aos assuntos que, no âmbito do Poder Executivo, sejam relativos à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio das atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. A CGU também deve exercer, como órgão central, a supervisão técnica dos órgãos que compõem o Sistema de Controle Interno e o Sistema de Correição e das unidades de ouvidoria do Poder Executivo Federal, prestando a orientação normativa necessária’.

O presidente Lula mostrou que está atento ao uso que seu governo faz do dinheiro público e que o Portal da Transparência se tornou importante instrumento da sociedade para fiscalizar o governo federal. A transparência do governo Lula é tanta que permite à oposição e à mídia faturarem politicamente sobre o controle que esse governo exerce sobre si mesmo.

Aliás, para quem não quiser acreditar em minha afirmação de que a ex-ministra Matilde Ribeiro só caiu porque o governo Lula investiga a si mesmo, reproduzo, novamente, o depoimento que deu aqui neste blog ontem o insuspeito editor do caderno Ilustrada do jornal Folha de S.Paulo, Marcos Augusto Machado Gonçalves.

‘Foi a Controladoria Geral da União quem questionou os gastos da ex-ministra com cartão, não foi uma investigação da mídia golpista (…)’

Gênese da CGU

A Controladoria-Geral da União (CGU) foi criada em 2001, penúltimo dos oito anos do governo FHC, pela Medida Provisória n° 2.143-31. Inicialmente, o órgão foi chamado de Corregedoria-Geral da União. Foi criado em resposta ao clamor da opinião pública diante do engavetamento da CPI da corrupção, contra a qual o governo tucano mobilizou-se de forma aberta até conseguir impedir que fosse instalada.

Em 1° de janeiro de 2003, um dos primeiros atos de Lula foi o de, através da Medida provisória n° 103, posteriormente convertida na Lei n° 10.683, alterar a denominação do órgão de Corregedoria para Controladoria-Geral da União. A medida, além de dar status de ministro ao titular daquele órgão, vinculou-o diretamente à Presidência da República, o que hoje permite que investigue e denuncie até ministros de Estado.

Pesos e medidas

Segundo dados pesquisados pela Controladoria-Geral da União, em 2001 e 2002 (portanto, nos dois últimos anos do governo FHC) os gastos do governo federal com o pagamento de cartões corporativos foram, respectivamente, de R$ 213,6 milhões e R$ 233,2. Contudo, desde o primeiro ano do governo Lula os gastos com cartões caíram para a média anual de R$ 143,5 milhões.

Pergunta: alguém, alguma vez, soube de algum questionamento na mídia ao uso de cartões pelo governo tucano? Não? E por que? Será porque aquele era um governo de anjos? Ou será que a mídia, naquele tempo, não tinha esse ímpeto investigativo todo?

Chef de cuisine vs. picanha argentina

Alguns blogs de esgoto estão dizendo que agora o próximo passo da mídia será questionar os gastos do Palácio da Alvorada com a alimentação de Lula. E a mídia logo, logo vai começar a bater bumbo sobre esse assunto. Provavelmente vão falar da ‘picanha argentina’ servida ao presidente da República.

Isso me remeteu ao tempo de FHC, quando ele mantinha, cozinhando para ele e para a mulher, uma gaúcha de 31 anos, chef de cuisine por profissão. Seu nome? Roberta Sudbrack.

Tudo começou num jantar na casa do então ministro da Justiça, José Gregori. Fernando Henrique e Ruth Cardoso estavam presentes. FHC, notório apreciador da boa mesa, não parou de elogiar o cardápio. Roberta ganhara o estômago presidencial.

Costelas de cordeiro mal passadas viraram o paradigma da nova e elogiada fase.

E Roberta gostava de filosofar sobre o seu papel na diplomacia e nas articulações políticas na condição de manda-chuva da cozinha presidencial. ‘A cozinha pode agregar ou desagregar, ajudar ou atrapalhar a diplomacia’, ensinava. Vejam só, além de chef de cuisine, a moça era ‘diplomata’.

Roberta não era funcionária pública. Ela prestava serviços ao Alvorada, cobrando por jantar e consultoria. Ela não conta quanto ganhava para si e para sua equipe de quatro cozinheiros e dois confeiteiros. A chef presidencial começou sua carreira em Brasília, após estágio em Paris.

Mas Lula não pode comer picanha argentina ou servi-la aos chefes de Estado, por exemplo, que visitam a residência presidencial.

Caixa-preta paulista

Já o acesso ao portal da Secretaria da Fazenda paulista (www.fazenda.sp.gov.br) demonstra bem a diferença entre as formas como os governos federal e estadual informam à sociedade para onde vai o dinheiro dos impostos. No caso do governo Lula, com os cartões corporativos é possível conferir razão social e CNPJ das pessoas jurídicas ou nomes e CPFs das pessoas físicas que receberam dinheiro público de cada membro da administração federal. E dá para saber até a data da despesa. Abaixo, a cascata de informações que se pode obter sobre os gastos diretos de cada membro do governo federal autorizado a fazer pagamentos.

‘Pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2007

Unidade Gestor SEC. ESPEC.DE POLIT. DE PROM.DA IGUALD.RACIAL: R$ 182.120,94

Portador 023.257.548-71 MATILDE RIBEIRO : R$ 171.556,09

Dezembro/2007

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VISA-REAL-APRES 16.670.085/0010-46

LOCALIZA RENT A CAR 28/11/2007 R$ 749,74

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Agora, apresento-lhes a forma como o governo paulista divulga seus dados.

Para tanto, reproduzo, abaixo, a informação divulgada pelo governo do Estado sobre seus gastos com despesas de locomoção de seu pessoal. Os dados estão no portal da Secretaria da Fazenda paulista, como já disse.

‘Relatório da execução orçamentária

Aplicações diretas

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PASSAGENS E DESPESAS COM LOCOMOCAO – R$ 1.238.459,62

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Se o governo paulista fosse tão transparente quanto o federal, eu poderia fiscalizar como, onde, quando e por quem foi gasto esse mais de um milhão de reais em locomoção, por exemplo, que envolve aluguel de carros. Há gastos com alimentação etc, mas não dá para saber detalhes. Só se encontram os totais e, portanto, a parte da sociedade que quer todos os governos – e não só o federal – fiscalizados não tem como fazer o mesmo que faz a mídia, só que em relação ao governo paulista.

A comparação acima é boa para as pessoas entenderem que nem os ministros de Lula nem os secretários de Serra andam de ônibus ou comem sanduíches de mortadela em botecos quando se locomovem a serviço do Estado. E para quem vier com aquela história sobre a ministra Matilde ter feito gastos durante suas férias, informo que nada garante que o mesmo não aconteça no governo Serra, mas não há como ter informações sobre esse governo como se tem sobre o governo Lula porque ambos divulgam seus gastos de forma totalmente diferente.

No frigir dos ovos, o que se depreende é o seguinte: o governo Lula funciona com tanta transparência que permite aos seus inimigos (declarados e enrustidos) fazerem suposições sobre seus gastos, enquanto que o governo Serra é uma caixa-preta que nós não temos meios – e a mídia não tem a menor vontade – de abrir. Aliás, ela tem vontade mesmo é de vê-la muito bem trancada.

Folha também lê o blog Cidadania

Aproveito para reportar aqui, também, um comentário que recebi em meu blog de um meu interlocutor freqüente na Folha de São Paulo. Publiquei o comentário na primeira página do blog para que essa pessoa pudesse ter seus argumentos expostos de uma forma que o jornal para o qual trabalha não me permite.

‘Foi a Controladoria-Geral da União quem questionou os gastos da ex-ministra com cartão, não foi uma investigação da mídia golpista, que, aliás, divulgou que os dados constam do site, em noticiários de jornal, rádio e TV. A companheira gastou mais de 15 mil por mês no cartãozinho dela – o que o Eduardo acha normal. Adoraria ter alguém como o Eduardo zelando por meu dinheiro!’

Marcos Augusto | Sao Paulo, SP, Brasil | jornalista | 01/02/2008 17:09

A resposta que dei a ele, foi a seguinte:

‘Marcos Augusto Machado Gonçalves, editor do caderno Ilustrada da Folha, que bom que ultimamente você decidiu debater comigo aqui no blog em vez de por e-mail, naquelas longas trocas de argumentação que já travamos. Provavelmente você está zangado pelo e-mail de ontem. Mas deveria ir mais devagar com o andor. Não me faça acusações. Seu jornal está cheio de colunistas casados com gente importante do PSDB. E tem mais: você e seu jornal se negam a cobrir criticamente o governo Serra e pegam no pé do governo Lula a cada 15 dias com uma nova denúncia, enquanto o governo Serra nem diz onde gasta o dinheiro dos paulistas. E se vocês puderam fazer esse estardalhaço todo foi justamente porque o governo Lula – pois a CGU é do governo Lula – investigou seus ministros, detectou um mau uso de dinheiro público por ao menos um deles e, inclusive, expôs esse dado para que vocês da mídia tucana fizessem a festa.’

Leitores, um patrimônio

E reproduzo também, abaixo, um outro comentário em meu blog, mas de um tipo bem diferente.

‘Acho que, diante dos sinais de malversação do erário, haja vista o uso indecoroso dos cartões corporativos, devemos propor tolerância zero em toda a esfera pública. Por exemplo, hoje, por volta das 13:00hs (portanto horário de expediente), na Rua Costa Carvalho, em um dos imóveis ocupados pela SABESP, um veículo da companhia deixava o local carregado de fantasias de carnaval. Como no carro deve estar escrito ‘uso exclusivo em serviço’, perguntei a um dos funcionários que carregava os adereços se, por um acaso, aquele era o novo uniforme da empresa. O fulano riu, constrangido, o que demonstrava que ele estava seguindo ordens. Pois é, outro caso, não muito distante, mas já esquecido, foi o desfile da ala de funcionários da Nossa Caixa de SP, que, ano passado, fez a maior folia com $$ público. E nenhuma denunciazinha do MP. E, duas linhas na FSP. E a FSP diz que é ética. O que é ética, então?’

André Gruber | SP/SP/BR | Avaliador |

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Comerciante, coordenador do Movimento dos Sem Mídia