Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os poderosos chefões





Após a primeira semana de ocupação na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, a Polícia Civil divulgou o balanço das operações nas duas comunidades. Foram apreendidos 136 fuzis, 169 pistolas, 38 granadas, 313 kg de cocaína e 33 toneladas de maconha. Do total de presos, 82 são acusados de associação para o tráfico de drogas. Resultado de décadas de problemas estruturais na gestão da segurança pública no Rio de Janeiro, o panorama mostra que o contrabando de armamentos para o país e a questão do narcotráfico não

podem ser tratados de forma pontual pela mídia. Passado o clímax do episódio de violência na cidade, a imprensa não pode deixar estas pautas de lado. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (7/12) pela TV Brasil discutiu o papel dos meios de comunicação na luta contra a violência.

Para discutir o tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro Wálter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Maierovitch fundou e preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, especializado em criminalidade organizada e terrorismo, e foi titular da Secretaria Nacional Antidrogas. Em São Paulo, o convidado foi o jornalista Marcelo Beraba, editor-chefe do jornal O Estado de S. Paulo. Beraba trabalhou em O Globo, no Jornal do Brasil e na TV Globo; na Folha de S. Paulo, foi secretário de Redação, diretor da Sucursal do Rio e ombudsman. É diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).


Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines comentou que a guerra contra o narcotráfico ainda está longe de ser ganha e que é imprescindível o acesso aos recursos financeiros obtidos com a lavagem do dinheiro do tráfico de drogas para ‘pegar os responsáveis’ pela continuidade da venda ilegal de entorpecentes. ‘Operações militares são geralmente espetaculares, rendem imagens, produzem resultados imediatos, retumbantes. Já o rastreamento do dinheiro sujo é trabalho de formiguinha, demorado, que muitas vezes é burlado por policiais corruptos que vendem impunidade aos chefões. A mídia evita esta área cinza. E nesta área cinza é que se percebe o quanto ainda falta fazer para vencer a guerra’, disse [íntegra abaixo].


Cobertura superficial


No debate no estúdio, Dines comentou que a mídia não tratou da questão do financiamento do narcotráfico com profundidade. Wálter Maierovitch explicou que o dinheiro do narcotráfico no mundo macula o sistema bancário internacional. O mecanismo funciona da seguinte forma: o dinheiro é lavado através do investimento em empresas e, em seguida, é aplicado em atividades lícitas, como o Centro Turístico de Aruba, no Caribe, por exemplo. ‘A situação é difícil porque hoje nós temos, quando se fala de drogas, não só o usurário dependente, nós temos os estados que têm o Produto Interno Bruto (PIB) dependente. E temos sempre uma criminalidade que necessita não só lavar, mas reciclar, que é empregar em atividades formalmente lícitas’, afirmou. Desta forma, o problema não só é local, é nacional e internacional.


Marcelo Beraba avaliou de forma positiva a cobertura da ocupação da Vila Cruzeiro e do Morro do Alemão. ‘A televisão teve um papel muito grande, o rádio e os jornais impressos também. Na seqüência dela [a ocupação], nós tivemos uma preocupação muito grande em analisar, em mostrar os bastidores daquela operação, da ação da polícia. A minha impressão, que fica até agora, é que foi um marco de ação policial contra a violência, contra a ocupação geográfica do Rio por traficantes’, disse. Depois da ocupação, os meios de comunicação, na opinião de Beraba, passaram a ampliar a cobertura com matérias sobre a proteção das fronteiras, as ramificações do narcotráfico e o abastecimento do crime organizado, por exemplo.


‘Ficou claro para todo o mundo, e parece que para a imprensa também, que você não pode observar e narrar o que está acontecendo no Rio de Janeiro neste momento a0li na região da Serra da Misericórdia exclusivamente pensando na ação policial e na expulsão dos traficantes ou na neutralização deles. Tem essa rede, realmente, e estamos preocupados com isto’, sublinhou Beraba. O jornalista admitiu que a mídia não tem uma preocupação permanente ‘com o macro’, com o grande financiamento, mas ponderou que a imprensa está despertando para a questão das fontes de financiamento do crime organizado. O jornalista observou que a investigação sobre lavagem de dinheiro tem sido complicada para as autoridades, por isso a imprensa também tem dificuldade em apurar e publicar informações sobre o assunto.


Dinheiro sujo


A questão financeira, na opinião de Maierovitch, é o ponto fundamental e único do combate ao narcotráfico. ‘O juiz Giovanni Falcone, que a máfia italiana dinamitou nos anos 1970, disse o seguinte: ‘Enquanto não se desfalcar o patrimônio do crime organizado, enquanto não se levar o crime organizado à bancarrota, não se vai dar grandes passos porque ele vai continuar com poder corruptor e a se infiltrar em órgãos do Estado’’, lembrou. Quando se desfalca financeiramente o narcotráfico, se ‘quebra a perna’ da organização. O juiz ressaltou que o crime organizado no Brasil apresenta uma estrutura pré-mafiosa porque ainda não tem capacidade para lavar e reciclar o dinheiro obtido em suas transações. ‘O Brasil ainda não tem o requinte para fazer a lavagem. Não passa da venda de automóveis, compras em postos de gasolina ou de fazendas no Paraguai’, explicou Maierovitch.


Ainda em relação ao combate à economia do crime organizado, o juiz Maierovitch comentou que existem programas de rastreamento por satélite de áreas de plantio de maconha e de folhas de coca na região andina. Todo ano é feito um balanço e se conclui que a extensão é sempre a mesma, apenas a região da plantação muda. ‘De repente, a gente abre os jornais e as televisões mostram uma piscina do subchefe do tráfico do Complexo do Alemão. Não tivemos fotografias aéreas? Não tivemos informações? Aquilo foi uma surpresa para todo mundo. Será que nós estamos em um mundo de idiotas?’, questionou.


O magistrado aposentado ressaltou que através de sinais gritantes que passam despercebidos – como a imagem aérea de uma piscina em moradia de comunidade carente ou a verificação de movimentação bancária desproporcional em pequenos municípios da fronteira – é possível tomar atitudes importantes. Maierovitch avalia que faltam muitos temas impactantes na cobertura do narcotráfico no Brasil. ‘Eu vi que evoluiu. Eu sou do tempo em que, quando era juiz, via que o jornalista ia buscar as fontes na delegacia, na vara. Hoje, a coisa mudou. Já existe a investigação própria’, comparou. Ele disse que por meio de cursos de formação e de outros estímulos, a mídia brasileira pode alcançar patamares de outros países.


Liberar o consumo das drogas?


Um telespectador perguntou a Marcelo Beraba se a imprensa poderia dar mais ênfase à discussão em torno da legalização das drogas. ‘A mídia tem discutido isso. Essa questão da legalização tem estado nos jornais através de artigos, debates, reportagens’, afirmou. Beraba admitiu que e imprensa tem diversas falhas, mas ponderou que a questão do narcotráfico é ‘um mundo’ de cobertura. ‘Há uma preocupação, de muitos anos para cá, de se sair desse jornalismo de polícia, de porta de delegacia, de cobertura do varejo, e hoje você tem nas grandes redações e em blogs especializados grandes jornalistas com uma formação em política de segurança pública, em estatística’, avaliou.


Beraba acredita que a segunda fase da cobertura do episódio de violência no Rio de Janeiro, após a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, será um desafio maior do que o acompanhamento dos primeiros momentos das operações policiais. Enquanto a primeira fase foi de observação e análise, o passo seguinte deverá ser de uma cobertura mais sofisticada. Haverá a necessidade de questionamentos sobre a atuação do setor de inteligência da polícia; sobre as milícias; sobre o financiamento do narcotráfico e a possibilidade de implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em outras comunidades.


É preciso destacar, na opinião de Maierovitch, que o combate ao crime organizado e ao narcotráfico deve ser feito dentro da legalidade. O desembargador ressaltou que nenhum país do mundo liberou totalmente as drogas. Foram tomadas medidas pontuais, como na Holanda, onde se permite o uso de maconha em cafés, mas não em espaços públicos. ‘Alguns passos precisam ser dados. Vamos começar não criminalizando, com tratamentos [para usuários] progredindo’, argumentou Maierovitch. Questões como a responsabilidade pelo plantio e fornecimento das drogas, o papel do Estado nessa estrutura e o possível aumento do consumo precisam ser estudadas antes de tornar as drogas legais.


O primeiro passo


Para Maierovitch e Beraba, a ocupação das duas comunidades, apesar de não representar a solução absoluta para o problema do narcotráfico da região, foi bem sucedida. ‘A operação como um todo, da forma como foi feita – o trabalho com o apoio da Marinha, do Exército – e a entrada [nas comunidades] sem mortes, me pareceu uma operação de ocupação – não de solução definitiva, mas de ocupação – bem feita’, destacou Beraba. O Maierovitch elogiou a atuação do secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. ‘Nós demos um grande golpe porque virou o quadro. O crime organizado difunde o medo, submete a população, tira os seus direitos a liberdades individuais e públicas e faz com que a população seja solidária pelo medo; esse quadro virou e a imprensa mostrou muito’, disse.


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Violência no Rio – parte 2


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 575, exibido em 7/12/2010


A sensação é generalizada e resulta em grande parte da cobertura da mídia: a batalha foi ganha mas estamos longe de uma vitória na guerra contra o narcotráfico.


A reconquista da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão constitui um triunfo militar, mas as guerras se travam em muitas frentes e nem sempre se limitam à esfera territorial. Os trunfos dos bandidos ainda não foram neutralizados, estão intocados, e o mais importante deles é o acesso aos vastos recursos financeiros obtidos com a lavagem do dinheiro do tráfico de drogas.


Os poderosos chefões não estão nos morros, nas favelas ou mesmo no Rio de Janeiro. Estão em lugar seguro e, ao contrário dos chefinhos e chefetes pés de chinelo, vivem nas altas rodas e gozam os benefícios das grandes fortunas.


E por que não se consegue rastrear o sistema e pegar os responsáveis pela continuidade do narcotráfico? Nesta pergunta estão contidas as críticas do ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, à polarização e à simplificação desenhadas pela mídia: segundo Soares, além de encurralar os bandidos, o Estado precisa desentocar e desativar o sofisticado sistema de branqueamento do dinheiro do crime. Sem dinheiro não se compram armas e drogas, sem dinheiro não se atraem tantos ‘soldados’ para o crime organizado.


Operações militares são geralmente espetaculares, rendem imagens, produzem resultados imediatos, retumbantes. Já o rastreamento do dinheiro sujo é trabalho de formiguinha, demorado, que muitas vezes é burlado por policiais corruptos que vendem impunidade aos chefões.


A mídia evita esta área cinza. E nesta área cinza é que se percebe o quanto ainda falta fazer para vencer a guerra.

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Jornalista