Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os reis estão nus – ou quase

De um tempo para cá, passou a prevalecer nos meios de comunicação e na elite política de centro e de direita (e quase golpista, caso não tivéssemos as forças armadas democráticas) uma idéia de que a democracia brasileira corre perigo quase todos os dias por algum fato corriqueiro ou inusitado, ligado, direta ou indiretamente, ao governo. Por outro lado, o bom funcionamento das instituições democráticas que vêm sendo construídas causa espanto às mesmas elites: foi o caso do Supremo Tribunal Federal, quando denunciou membros do PT, as ações da Polícia Federal etc. (Estas, às vezes, é claro, são criticadas por que batem às portas dos poderosos, mesmo com os devidos mandados judiciais.)

O caso da votação da CPMF revelou a mesma percepção de risco. Consolidada a decisão pela não renovação, a principal questão levantada pelos telejornais era ‘como’ o governo ‘acordaria’, se iria para o confronto ou aceitaria a decisão do Senado. Um prestigiado comentarista e colunista chegou a aventar a hipótese de o presidente Lula lançar mão de seu carisma para mobilizar a ‘opinião pública’ e tentar reverter o processo. As considerações não poderiam ser mais ridículas, uma vez que o próprio comentarista lembrava a grande oposição à CPMF registrada pelas pesquisas de opinião, aliás como acontece em qualquer lugar do mundo no caso de impostos.

Se hay impostos, soy contra. Yo también. Pois, pensando bem, o comentarista estava, de fato, aventando a possibilidade de termos um presidente que inexplicavelmente agiria contra si próprio.

A reeleição de FHC

Mas esse ‘jornalismo’ com todos os toques de modernidade tecnológica coloca-se acima do bem e do mal, com raríssimas exceções – como a Folha que, pelo menos, tem um ombudsman independente, e o Observatório da Imprensa.

Sigamos um pouquinho mais. Algo semelhante se passou quando da divulgação de uma proposta de um de terceiro mandato para o atual presidente, a qual, sem qualquer indício plausível, passou a ser discutida, avaliada, como se fosse um ardente desejo do presidente praticar essa quebra da normalidade constitucional duramente conseguida por anos e anos. Pouco se falou de quem foi essa idéia, qual a significância – ou insignificância – do proponente etc. Se indícios havia, eram no sentido inverso, mas isso pouco foi considerado. As palavras do presidente – pois foi necessário dizê-las – não ganharam qualquer destaque naqueles mesmos meios que inflacionaram o debate do perigo de um terceiro mandato. Quase inacreditável o tratamento desigual aos fatos.

Isso para não dizer que a abordagem da quebra da tradição centenária do princípio constitucional da não reeleição feita pelo governo de Fernando Henrique não gerou um décimo de preocupação nos mesmos círculos. Ao contrário, era defendida, como necessária como manter a estabilidade do Plano Real (raramente atribuído ao presidente Itamar Franco), dado o risco econômico que a eleição de Lula inevitavelmente representaria.

Recordes de crescimento

Os exemplos são inúmeros e, infelizmente, repetem-se cotidianamente e esta mídia, junto com elites políticas de direita, está instalando essa idéia de que a democracia brasileira corre perigo. Não corre – eles é que não suportam uma democracia que inclua mais as camadas populares. Nunca tiveram projeto para elas e talvez jamais tenham pensado que esse dia poderia chegar. Os reis estão nus – ou quase – e aparentemente gostando da colônia de nudismo em que se encastelaram, uma triste opção política.

Enfim, o que aconteceu no day after da rejeição da renovação da CPMF? Ao contrário do falso alarmismo da mídia na madrugada, respaldada por entrevistas que pareciam muito bem assessoradas por marqueteiros de plantão, o governo partiu para o ajuste fiscal, felizmente (para o governo e para a sociedade) com os índices de popularidade do presidente crescendo, a economia registrando novos recordes de crescimento e de empregos formais. Estes, lembrem-se bem, foram declarados praticamente sepultados por outro prestigiado economista nos anos 1990. Mas isso já é outra história.

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Professor universitário e cientista político, Rio de Janeiro, RJ