O leitor e a leitora que ainda se divertem com a análise dos jornais podem fazer uma constatação curiosa: representantes da oposição ao governo federal praticamente desapareceram das editorias de Política Nacional e Economia nos últimos dias. Se não considerarmos as colunas de notas curtas, feitas com frases e eventos protagonizados por políticos, pode-se contar nos dedos de uma mão o total de referências a parlamentares e dirigentes do PSDB e do Partido Democratas nos principais diários do país.
Na edição do Globo de quarta-feira (12/11), por exemplo, há citações em apenas uma reportagem, na qual aparecem o senador Aloysio Nunes Ferreira, líder do PSDB, o representante do Democratas José Agripino Maia e o líder do PSB na Câmara, deputado Beto Albuquerque, todos convocados a falar sobre a proposta do Executivo de mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Na Folha, o mesmo assunto merece apenas uma curta referência a nomes da oposição, e no Estado de S. Paulo há um pouco mais de destaque, com um texto exclusivo para os mesmos Agripino Maia e Nunes Ferreira.
Note-se que o assunto, segundo a imprensa, suscitou um “debate intenso” no Congresso. Economistas ouvidos pelos diários e citados em blogs especializados e portais da internet oferecem uma grande variedade de argumentos contra e a favor da proposta do plano governamental, de abater da meta de superávit primário todas as despesas referentes a obras de infraestrutura do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O conteúdo que se pode ler em cerca de duas horas não resolve as controvérsias geradas entre especialistas, o que indica que se trata de assunto de alta complexidade.
As declarações produzidas pelos representantes da oposição se restringem aos aspectos políticos da iniciativa e são exatamente iguais nos principais diários, cujas agências de notícias também alimentam a imprensa regional. Pouco se avança no debate sobre os aspectos exclusivamente econômicos da proposta, que tanto pode sinalizar uma mudança na estratégia para o segundo mandato de Dilma Rousseff como uma manobra para encobrir a falta de recursos do governo para equilibrar as contas públicas.
O problema é que, se depender da mídia tradicional, o cidadão fica sem fontes para formular sua própria opinião.
Porta-vozes da redação
Observe-se que, até o final de outubro, logo após o segundo turno da eleição presidencial, os jornais de circulação nacional traziam regularmente uma média de oito a dez citações diárias de representantes de partidos da oposição, que eram convocados a opinar sobre qualquer coisa.
O que poderia explicar a concessão de “férias” às fontes preferenciais da mídia tradicional, justamente quando a presidente da República começa a preparar o futuro ministério e se torna mais interessante acompanhar os sinais de mudança que suas iniciativas estarão emitindo?
O leitor e a leitora que desenvolveram a habilidade para interpretar a linguagem da imprensa podem levantar muitas hipóteses, mas há um aspecto importante a ser considerado: os principais protagonistas da política nacional se tornaram dependentes da pauta jornalística e já não têm vida própria fora do ambiente midiático. Se, durante a campanha eleitoral, os porta-vozes da oposição encontravam amplas vitrinas para vocalizar o que quisessem, ou o que os marqueteiros consideravam conveniente, na rotina eles passam a depender do interesse específico dos editores.
A cumplicidade de correligionários entre a imprensa e um dos lados da política cria uma relação de dependência que desfavorece a política e os políticos, que se transformam em meros porta-vozes daquilo que é imaginado nas reuniões de pauta dos jornais. Por mais que caprichem na contundência de seus discursos, com os quais tentam assegurar um espaço relevante nos noticiários, muitos daqueles que deveriam fazer o contraponto ao poder central estão emasculados, reduzidos ao papel de vocalizadores de frases construídas nas redações.
Esse é, provavelmente, um dos mais graves danos causados à democracia pelo protagonismo político das grandes empresas de comunicação: aqueles atores que deveriam cumprir o papel central na agenda republicana acabam se tornando dependentes da mídia tradicional. Já não pensam por si – raciocinam conforme a pauta dos jornais.
São bonecos de ventríloquo.