Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os déficits de igualdade

Os jornais destacam, nas edições de sexta-feira (23/11), o discurso de posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Transformado em protagonista de primeira ordem no noticiário político, por conta de seu desempenho como relator da Ação Penal 470, Barbosa destacou a permanência das desigualdades no judiciário brasileiro, pontificando que “de nada adianta o sofisticado sistema de informação, se a Justiça falha”.

Do alto de sua popularidade, adquirida no mais polêmico julgamento realizado pela Suprema Corte, o ministro vivencia o momento especial que é dado a alguns personagens da História: ele é o herói do dia.

Seu tema central foi o “déficit de igualdade” da Justiça, assunto que é por demais conhecido dos brasileiros. Pode-se dizer mais: para a grande maioria, a Justiça é apenas uma ficção, pois, como se vê em São Paulo nos últimos meses, um número incalculável de conflitos é resolvido à bala pela parte mais forte. Portanto, nos territórios ocupados pela maior parte da sociedade brasileira, estamos ainda um passo atrás da circunstância que Joaquim Barbosa chama de “déficit de igualdade”.

Seres complexos

A situação seria mais bem descrita como um teatro de barbáries: os jornais da sexta-feira finalmente admitem que a violência em São Paulo, ou parte dela, é produzida por esquadrões da morte formados por policiais.

Mas ninguém haveria de estragar a festa de posse questionando que ideias concretas o novo mandatário vai trazer para além dos sofismas alinhavados por seus escribas.

Não seria, evidentemente, a mídia tradicional a autora de tal desafio: empenhada em fazer prevalecer seu próprio conceito privado de moral pública, seus agentes não podem, não querem ou não são pagos para ir além de uma análise superficial sobre o contexto social em que se processa essa Justiça ainda eivada de desigualdades.

Pode-se dizer, desastrosamente, que também não se encontram no outro espaço midiático – o das redes sociais digitais – manifestações de clarividência desprendida que possam iluminar a circunstância em que vive a sociedade brasileira. E o campo acadêmico continua preso ao círculo de giz de suas próprias idiossincrasias.

Somos um povo em franca ascensão no cenário global, bafejado pelos bons efeitos de políticas econômicas que produzem um inédito fenômeno de mobilidade social. Mas estamos muito longe de sermos considerados um povo moderno.

Em termos de um processo civilizatório, somos neófitos em democracia, quesito em que, comparados às sociedades mais maduras, podemos nos considerar recém desembarcados das árvores.

Examinamos, extasiados, nossos gadgets eletrônicos como o primata promovido a homo erectus manipulava seu primeiro tacape. E não estamos sós nessa savana arcaica, com o olhar estendido saudosamente para um futuro que mal vislumbramos pelas janelas eletrônicas: mais da metade da população mundial se encontra na mesma situação.

No entanto, se somos, como diz Edgar Morin, homo sapiens demens, seres complexos que ainda carregam o limbo da animalidade ancestral, somos também seres sociais e homo dictius, o ser socializado em rede, como dizem os cientistas Nicholas Christakis e James Fowler.

Uma bala no caminho

Construímos a grande rede e a estamos expandindo para além dos nossos limites de percepção, e chegamos ao ponto em que as interações entre máquinas já superam, em unidades de informação, todas as conversas de que os 7 bilhões de humanos são capazes.

Mas o que dizemos nessas conversas? Alguns observadores pragmáticos, como o jornalista Walter Falceta Jr., que dedica tempo a analisar o comportamento do homo sapiens demens ludus socialis dictius nas chamadas redes sociais digitais, andam muito pessimistas. Manifestações que ele tem coletado sugerem que muitos representantes da espécie se revelam mais demens que sapiens quando expostos à complexidade social: são comuns as pregações de caráter nazista na mídia mais democrática.

Portanto, parece que ainda precisaremos passar por um denso processo de educação para a cidadania até podermos construir uma sociedade na qual o indivíduo seja capaz de conceituar minimamente o que vem a ser Justiça.

Mas quem vai educar quem? A imprensa?

O exercício da sociabilidade, no gozo pleno de uma liberdade que não era proporcionada no tempo das mídias centralizadoras, deveria estar nos educando para a tolerância e o respeito mútuo. Mas nosso déficit de igualdade ainda é uma bala no caminho.