Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Osvaldo Martins

‘Desde que Roberto Jefferson lançou, há cinco meses, Marcos Valério ao estrelato, os negócios obscuros desse publicitário mineiro tornaram-se o centro da maior crise política do país nos últimos treze anos. Três comissões parlamentares de inquérito foram instaladas e toda a imprensa passou a se ocupar do assunto, ao qual conferiu o merecido destaque. A cobertura jornalística do valerioduto, com as revistas semanais à frente, já ocupa mais espaço que o atribuído à crise que culminou com o impeachment de Fernando Collor.

A questão crucial para o esclarecimento das intrincadas manobras valerianas sempre foi identificar a origem dos recursos financeiros que viabilizaram o mensalão. Na semana passada, a CPMI dos Correios anunciou que o esquema Banco do Brasil-Visanet era o fornecedor da dinheirama, mediante pagamentos adiantados de serviços não prestados pela agência DNA, de propriedade de Marcos Valério.

Seja no episódio da semana passada, seja nos dos últimos cinco meses, o personagem-chave é um publicitário e suas transações misteriosas. Durante todo esse tempo, incluindo as intermináveis inquirições nas comissões parlamentares, tudo girou em torno dos contratos de serviços de publicidade geridos pela várias agências mineiras do mesmo grupo.

Pois bem, deputados e senadores demonstraram, nas sessões das comissões, transmitidas ao vivo, total desconhecimento sobre como funciona esse mercado que envolve o tripé cliente-agência-veículo. E a imprensa, a parte ‘veículo’ desse tripé, tampouco jogou luz sobre o assunto. Qual será o motivo?

Por que, tendo o assunto como foco principal a atividade publicitária (e os descaminhos que ela pode percorrer) nenhum publicitário é ouvido? O setor tem várias entidades representativas, a principal delas a ABAP – Associação Brasileira das Agências de Publicidade. Existe também um Conselho Executivo das Normas-Padrão, o Cenp, criado exatamente para regulamentar as relações do setor público com o mercado publicitário. Estranha que não tenha ocorrido a ninguém na imprensa, nem na TV Cultura, indagar a essas instâncias coisas simples como: é praxe no mercado um cliente pagar adiantadamente à sua agência?

A resposta é não. Toda a imprensa sabe disso e ninguém, nem a TV Cultura, informa nada. No caso BB-Visanet, o contrato com a agência obriga esta a repassar ao cliente os descontos conhecidos como BV (a bonificação de volume, que todos os veículos oferecem aos grandes anunciantes). Ninguém, nem a TV Cultura, explica o que é isso. O Tribunal de Contas da União considera irregular a não devolução do BV, o que levou o presidente do Cenp, Petrônio Corrêa, a mandar uma carta à CPMI dos Correios esclarecendo a questão.

Se o país estivesse paralisado por causa de um grande problema de saúde pública, por certo toda a imprensa e a TV Cultura já teriam ouvido as entidades representativas do setor, além de dezenas de médicos, sanitaristas e pesquisadores. Por que, então, no caso do valerioduto e seus meandros, não se ouve publicitários? Nem se espera que sejam entrevistadas as grandes estrelas da publicidade, aquelas que ganham prêmios internacionais e se tornaram, com justiça, celebridades. Mas, e os representantes das várias entidades, por que não falam? Será que ninguém os convida? Ou será que a imprensa em geral considera esse assunto um vespeiro no qual não deve pôr a mão? Custa crer. A razão mais provável para a misteriosa desinformação deve ser mesmo a incompetência.

Não importa, aqui, o que fazem ou deixam de fazer os jornais, revistas, rádios e televisões. O que nos interessa é o que faz ou deixa de fazer o jornalismo da TV Cultura. E o público da TV Cultura espera dela exatamente o que as demais emissoras, por alguma razão, não oferecem.’