A decisão do Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) de proibir a propaganda da cerveja Devassa Bem Loura, com a socialite Paris Hilton, é algo que ‘não desce redondo’.
É difícil reagir sem ironia às alegações da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, órgão ligado à Presidência que denunciou a peça publicitária por considerá-la ‘sexista’ e ‘desrespeitosa’. A responsável pela acusação diz que é preciso cuidar ‘para que a mulher não seja tratada como um produto’.
Estamos de acordo, mas de que ‘catacumba 68’ saíram essas senhoras? Não há como evitar a comparação: Paris Hilton, a ‘devassa’, é loira, americana e milionária. Os arautos da dignidade reclamariam providências se, no lugar dela, estivesse a nossa Juliana Paes, ‘a boa’?
As coisas se passam como se, com a censura, pudéssemos traçar uma linha imaginária entre a nossa sensualidade brejeira e a pornografia dos outros, entre o louvor à ‘preferência nacional’ e a mera apelação vulgar, entre a ‘virtude’ e o ‘vício’.
Roteiro pornô
Um site de publicidade americano debochou de nosso falso pudor, perguntando se ‘Paris Hilton seria sexy demais para o Brasil’. Só falta agora Marco Aurélio Garcia vir pregar contra o ‘esterco publicitário’ em defesa do adubo nacional.
Paris Hilton não é mesmo uma figura que inspire muita admiração. Mas que diferença existe entre ela, sempre tão hostilizada, e os socialites, descolados, artistas e que tais que desfilam com marcas de cerveja no peito em troca de privilégios e luzes nos espaços vips do Carnaval?
Ao identificar, sem mediações, mulher e cerveja como objetos de desejo, a peça da ‘devassa’ arromba a porta já aberta de um espetáculo que se fingia ver pela fechadura. A propaganda não é mais sexista nem mais agressiva com as mulheres do que a grande maioria das que vendem carro, por exemplo. Mas testa, no seu didatismo digno de um roteiro pornô, os limites da permissividade a serviço da mercadoria. A censura é sempre a pior maneira de proteger a sociedade de si mesma.