Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Outras razões para a pauta negativa

O sempre interessante Boletim UFMG que traz, a cada semana, notícias do dia a dia da Universidade Federal de Minas Gerais, informa, na edição de 4 de maio [Ano 41, nº 1.902], sobre trabalho desenvolvido por grupo de pesquisa do Departamento de Ciência da Computação (DCC) em torno da “análise de sentimento” que relaciona o sucesso das notícias com sua polaridade, negativa ou positiva.

Vale a pena conferir o artigo que originou a matéria (disponível aqui) e será apresentado, ainda este mês, em conferência internacional sobre weblogs e mídia social na Universidade de Oxford, Inglaterra.

Utilizando programas de computador desenvolvidos pelo DCC-UFMG, foram identificadas, coletadas e analisadas 69.907 manchetes veiculadas em quatro sites noticiosos internacionais ao longo de oito meses de 2014: The New York Times, BBC, Reuters e Daily Mail. E as notícias foram agrupadas em cinco grandes categorias: negócios e dinheiro, saúde, ciência e tecnologia, esportes e mundo.

As conclusões da pesquisa são preciosas.

Notícia negativa atrai mais leitores(as)

Cerca de 70% das notícias diárias estão relacionadas a fatos que geram “sentimentos negativos” – tais como catástrofes, acidentes, doenças, crimes e crises. Os textos das manchetes foram relacionados aos sentimentos que elas despertam, numa escala de menos 5 (muito negativo) a mais 5 (muito positivo). Descobriu-se que o sucesso de uma notícia [vale dizer, o número de vezes em que é “clicada” pelo eventual leitor(a)] está fortemente vinculado a esses “sentimentos” e que os dois extremos – negativo e positivo – são os mais “clicados”. As manchetes negativas, todavia, são aquelas que atraem maior interesse dos leitores(as).

Das cinco categorias de manchetes analisadas, a mais homogênea é a categoria “mundo”, onde só foram encontradas manchetes sobre catástrofes, sugerindo implicitamente que o país onde a notícia é produzida seria mais seguro do que os outros.

Descobriu-se também, ao contrário da expectativa dos pesquisadores, que os comentários postados por eventuais leitores(as) tendem a ser sempre negativos, independentemente do “sentimento” provocado pelo conteúdo da notícia.

Razões para a pauta negativa

Embora realizado com base em manchetes publicadas em sites internacionais – não brasileiros – os resultados do trabalho dos pesquisadores do DCC-UFMG nos ajudam a compreender a predominância do “jornalismo do vale de lágrimas” (ver, neste Observatório, “O vale de lágrimas é aqui”) na grande mídia brasileira.

Para além da partidarização seletiva das notícias, parece haver também uma importante estratégia de sobrevivência empresarial influindo na escolha da pauta negativa. Os principais telejornais exibidos na televisão brasileira, por exemplo, estão se transformando em incansáveis noticiários diários de crises, crimes, catástrofes, acidentes e doenças de todos os tipos. Carrega-se, sem dó nem piedade, nas notícias que geram sentimentos negativos. Mais do que isso: os(as) âncoras dos telejornais, além das notícias negativas, se encarregam de editorializar (fazer comentários) invariavelmente críticos e pessimistas reforçando, para além da notícia, exatamente os aspectos e consequências funestas de toda e qualquer notícia.

Existe, sim, o risco do esgotamento. Cansado de tanta notícia ruim e sentindo-se impotente para influir no curso dos eventos, pode ser que o leitor/telespectador(a) brasileiro afinal desista de se expor a esse tipo de jornalismo que o empurra cotidianamente rumo a um inexorável “vale de lágrimas” mediavalesco.

Triste mundo esse em que vivemos. Pautar preferencialmente o negativo se transformou, para além da política, em estratégia de sobrevivência empresarial.

Por enquanto, parece, está dando certo.

A ver.

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Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim de Em defesa de uma opinião pública democrática – conceitos, entraves e desafios (Paulus, 2014), entre outros livros