Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Página denuncia empresas de comunicação caloteiras

Desrespeito, irresponsabilidade, acordos descumpridos, propostas indecentes, empresas e patrões inconseqüentes e mentirosos. Essa parece ser a cruel realidade de centenas de profissionais recém-formados e estagiários de comunicação ao redor do país que, através de uma comunidade do Orkut, vêm denunciando uma série de afrontas aos seus direitos trabalhistas e até mesmo aos seus direitos individuais.

São revistas, jornais, assessorias de imprensa, agências, produtoras de eventos, sites jornalísticos e até empresas de recursos humanos que são verdadeiras usinas de malandragem. Com quase 180 reclamações em seus scraps, a comunidade “Trabalho para Jornalistas”, no tópico “Empresas Caloteiras”, coleciona variações sobre o mesmo tema que provocam infinitas dores de cabeça aos profissionais de imprensa. Mais do que sinalizar a insatisfação geral de uma categoria que ainda se orgulha em labutar numa profissão em crise por causa do afunilamento do mercado, a página é prova de que, se o número de infrações orquestradas pelos contratantes cresceu a tal ponto, evidentemente algo está muito errado. Essa comunidade de descontentes é apenas a ponta de um imenso iceberg.

As denúncias vão do simples calote (projeto free-lancer não pago, por exemplo) a salários muito abaixo do piso da categoria, incompatíveis com a carga horária exigida. Em alguns casos, jornalistas se viram sem o minguado pro-labore (em função de infinitos atrasos), os vales-refeição e transporte. Que morressem de fome e se locomovessem a pé para os seus locais de trabalho.

Outro golpe denunciado pelos internautas na página do Orkut envolve as chamadas empresas de recolocação profissional. Elas anunciam uma vaga na área, chamam um candidato para a entrevista com uma “especialista em recursos humanos” e em seguida vem o golpe. Uma jornalista foi selecionada pela empresa Human Development Organization International (HDOI), em São José dos Campos, para trabalhar numa editora no ABC paulista. Depois de aprovado o currículo, a etapa seguinte seria outra entrevista, com uma psicóloga. Mas, para surpresa da candidata, ela teria de desembolsar R$ 1 mil pelo procedimento.

Como se não bastasse, as empresas jornalísticas avarentas, em vez de repararem os erros trabalhistas gritantes, administrando com inteligência a insatisfação dos funcionários em busca de soluções ou, pelo menos, com um mínimo de interesse em mudanças que viabilizassem uma convivência mais sadia, fazem exatamente o contrário. Preferem que o empregado chegue ao limite do estresse e aguardam seu pedido de demissão. Resta aquele pensamento imbecil dos tempos da Revolução Industrial: “Pode sair, pois há mais 50 pessoas querendo o seu lugar”.

Sem controle

O problema é que essas 50 pessoas podem se transformar em 100, já que muitas empresas/publicações estão se acostumando a funcionar com pouco ou nenhum comprometimento legal, inclusive desrespeitando cláusulas primordiais da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Principalmente nas empresas-anãs, cuja rotina vergonhosamente prevê o não-pagamento de férias, 13º salário, INSS, FGTS etc. Isso tudo porque simplesmente assinar carteira de trabalho pressupõe um custo que muitas delas afirmam ser alto demais. Às vezes, o faturamento de uma dessas empresas de fundo de quintal (especialmente jornais de bairro) não chega à metade do preço de um carro popular, e ainda precisam dessa receita para despesas como pagamento de aluguel, luz, manutenção de equipamento, compra de material de escritório (algumas obtêm esses insumos via permuta) e, por sorte, pagar os serviços jornalísticos.

Tendo capital de giro tão pequeno, o jornalista se sujeita a todo tipo de situação, de mãos atadas e em silêncio para não ficar na rua da amargura. A alta rotatividade nesses empregos de terceira se justifica quando a série de absurdos e desrespeitos induz o profissional a se questionar insistentemente e chegar à conclusão de que não passa de um perfeito idiota. Ou de um desesperado. E haja paciência quando se dispões a mover processo contra uma empresa fraudulenta. A Justiça não costuma colaborar muito e a demora… bem, é melhor nem se estender muito nesse assunto.

Alguns mecanismos institucionais que deveriam obrigar essas empresas a trabalhar com mais senso de confiabilidade com seus funcionários até apresentam regras bem definidas em seus estatutos, rígidas estruturas de normatização e todo um discurso teórico a respeito das punições. Mas falta fiscalização, melhor conhecimento dos novos canais, os novos veículos de comunicação. Não há controle sobre quantas publicações e empresas estão funcionando atualmente. Muitas delas são chefiadas e administradas por pessoas que não sabem distinguir um “lide” de uma manchete, mas querem faturar de qualquer maneira em cima da necessidade de visibilidade pública de seus clientes. Fala-se muito em sindicalização, mas pouco em atividades práticas que garantam a idoneidade das empresas.

Super-salários

O Instituto Verificador de Circulação (IVC), por exemplo, é uma empresa sem fins lucrativos e tem por objetivo proporcionar autenticidade à circulação de publicações, bem como a distribuição destas informações às empresas associadas. O veículo paga uma mensalidade em função do tamanho de sua circulação e mais as despesas referentes às auditorias. Para uma publicação de até 5 mil exemplares por edição, a contribuição mensal será de R$ 135. Mas será que todas as publicações fazem questão de ostentar esse selo de qualidade quando podem economizar uma graninha num detalhe tão insignificante?

Outra aberração que ocorre é a respeito do piso salarial da categoria. Ele simplesmente não existe, pois não há critérios de definição. Cada estado e município da Federação pode definir o seu. A frouxidão das entidades sindicais nesse sentido é incrível, pois acaba deslegitimizando aquilo que defendem. A tabela do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro chega a ser uma piada de mau gosto em comparação à realidade dos fatos. O salário mínimo para 5 horas trabalhadas é de R$ 3.395. Para 7 horas, R$ 5.431. É mais do que o Tribunal Regional Eleitoral pretende pagar aos futuros funcionários que passarem no próximo concurso público. É uma afronta à inteligência e ao bom senso essa informação oficial quando se sabe que apenas os cargos de chefia de grandes empresas de comunicação têm direito a essas pequenas fortunas.

Ou se adapta a grandiosidade dos super-salários que o sindicato considera justos aos padrões genuinamente brasileiros, com todas as dificuldades financeiras conhecidas, ou vamos cobrar dos sindicatos mais poder de convencimento e persuasão com os contratantes para que estes respeitem o que está em vigor. O que, cá entre nós, seria mais interessante.

Por conta própria

O jornalista Alexandre Sena é editor do Link Zero, um dos maiores sites de empregos jornalísticos do país, e também não esconde certa tendência ao pessimismo que ronda esses tempos bicudos para a atividade. Apesar de considerar péssimo negócio fazer jornalista de otário logo em seus locais de trabalho, com risco de aumentar uma exposição constrangedora da própria empresa e disseminar as irregularidades com mais rapidez, Sena diz que a internet se tornou uma arma perfeita a nosso favor, pois ajudou a projetar um diagnóstico mais preciso sobre as dificuldades enfrentadas na profissão.

– A internet tem essa característica de potencializar a rapidez na disseminação das informações. Por isso é importante ter um nome respeitado e conquistar a simpatia e a confiança das pessoas. Em questão de minutos, a reputação de uma empresa ou profissional de comunicação pode ir por água abaixo.

Mas também fornece um painel realista sobre esse acúmulo de denúncias. “Mostra que o mercado é frágil e cada vez mais há a necessidade de os jornalistas se tornarem auto-empreendedores, procurarem trabalhar por conta própria e tentar se desvencilhar da necessidade de trabalhar para uma empresa que, muitas vezes, não é idônea.”

Alguns desabafos da comunidade

** “Estou trabalhando numa multinacional chinesa, mas de pequeno porte, no Brasil que não respeita seus funcionários. Não paga devidamente o salário (mesmo sendo registrado) e não dá vale-transporte nem vale-refeição… Já entramos em conflito por causa desses pequenos direitos trabalhistas e não há solução até o momento. Só agora é que descobri o motivo da alta rotatividade nessa empresa. Espero que todos saibam que, se receberem algum convite para entrevista nessa empresa, não participem porque é furada! Já estou à procura de outro emprego e pelo jeito a vaga vai ficar vazia”.

** “Eu sou vítima de professores de jornalismo!! Eles falavam tanto em ética, em valorização profissional (…) Eu os denunciei no Ministério Público Federal por crime de falso testemunho, pois falaram que eu nunca diagramei jornais (…) As mesmas publicações foram anexadas no processo (…) mas o juiz deu como improcedente na primeira instância”.

** “(…) Mas o pior aconteceu quando fui mandada embora. Queriam que eu assinasse aviso prévio com data retroativa, para não me pagarem o último salário. Como me recusei, suspenderam meu último pagamento. Deram baixa na minha carteira, mas não fizeram a rescisão do contrato e, por conta disso, não pude dar entrada no seguro-desemprego. Tenho duas férias vencidas pra receber e também descobri que não depositavam o FGTS. Isso pra não citar que eu utilizava meu carro a serviço – davam a gasolina, mas nunca ofereceram uma ajuda sequer na manutenção do veículo – e as infinitas horas-extras que fiz sem receber. Concluindo: tive que entrar na Justiça para cobrar os R$ 13 mil que me devem”.

** “Fiz um freela e eles não me pagaram. Todas as vezes que cobro, um me joga para falar com o outro e diz que não é sua responsabilidade. Me disseram que estão captando patrocínio para o evento e quando receberem esse dinheiro é que vão me pagar. Mas me digam, como é que contratam um profissional sem ter o dinheiro para pagar pelo serviço? Pior, por que não dizem isso e propõem uma parceria ao invés de enrolar e não pagar? Pelo menos eu teria o direito de escolher e arcar com as conseqüências e não ser enganada tão descaradamente. É de lascar.”

Links

Comunidade Trabalho para Jornalistas no Orkut (para cadastrados)

Instituto Verificador de Circulação

Fórum que aponta outras empresas caloteiras (cortesia de Alexandre Sena)

Lista de tabelas salariais e contratos jornalísticos

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Jornalista