Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Palavras a mídia leva

O papa Bento XVI aparece em destaque na primeira página do Estado de S.Paulo (18/9) numa foto escolhida a dedo: braços erguidos, rosto com expressão de súplica. No mesmo dia, na edição de O Globo, além da manchete “Bento XVI não se desculpa com islâmicos”, publica-se também na primeira página uma charge de Chico Caruso, em que o papa vê o início de uma terrível tormenta, provocada por suas palavras.


Papa sempre pode tornar-se notícia. Ou porque foi eleito, ou porque faleceu, ou porque fez algum apelo à paz e à concórdia, ou porque reafirmou algum preceito moral da Igreja que choca a mentalidade contemporânea.


Desta vez, porém, o motivo de sua aparição na mídia é outro, e nada convencional. Uma citação feita em ambiente acadêmico. Uma citação escolhida sem a necessária prudência. Se ainda cardeal fosse, ou apenas professor de teologia, a repercussão, se houvesse, seria mínima. O fato de ter sido o papa a fazê-la – o “chefe dos cruzados”, segundo certa visão extremista – dá ao episódio conotação constrangedora para a Igreja católica.


Ficará a emenda pior do que o soneto? O cardeal Tarcisio Bertone, atual secretário de Estado do Vaticano, publicou declaração em 16 de setembro, afirmando que as palavras citadas do imperador bizantino Manuel II Paleólogo não foram assumidas pelo papa como opinião dele. Este as utilizou apenas para desenvolver um raciocínio sobre a relação entre religião e violência em geral.


Verdade e erro


O papa não pediu nem pedirá desculpas do modo como vários setores do mundo islâmico exigem. Ou talvez, no fundo, o papa quisesse dizer, à la Drummond: “se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou”…


O santo padre sabe que a bendita citação ofendeu, e muito, a sensibilidade dos crentes muçulmanos. Sendo objetivos, a citação, erudita, foi oportuna no texto – que pode ser lido em inglês num site dedicado ao papa –, mas diplomaticamente inconveniente, em especial levando-se em conta as circunstâncias atuais.


Mas… e se o papa simplesmente quis marcar posição? Embora lamente que suas palavras tenham sido mal compreendidas, a citação foi escolhida por ele e reflete, de certo modo, sua concepção de mundo – coerente, diga-se, com a missão que este papa assumiu. Segundo tal concepção, o catolicismo tem a verdade, e as demais religiões trazem fragmentos da verdade misturados ao erro.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br