Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para onde vai a opinião pública?

Este texto se direciona, principalmente, àqueles que assistem em suas casas aos desdobramentos da greve dos bombeiros na cidade do Rio de Janeiro. Como não existe neutralidade, o silêncio de vocês acaba sendo favorável ao instituído. E o instituído, há algumas décadas, vem sendo extremamente nocivo para grande parte da população trabalhadora. Visto que são escassas outras fontes de comunicação direta e temos perdido cada vez mais o hábito da leitura, é bem provável que haja dificuldades de este texto atingir o público desejado, ou a opinião pública.

Mas afinal, o que é a tal opinião pública? Comumente, tem sido interpretada como a especulação sobre a opinião da população sobre um tema determinado. Como a divulgação do que pensa a opinião pública geralmente não advém de instituições públicas, é de se suspeitar que a opinião tenha sérios riscos de carregar os desejos daqueles que a divulgam. E quem a divulga? No Brasil, a mídia televisiva se encarrega de fazê-lo. E nem sempre, ou quase nunca, corresponde à realidade das manifestações populares.

Tanto o Estado como as empresas já perceberam a centralidade da opinião pública. Ela tem tido a função de determinar políticas de governo, como vimos no caso das Olimpíadas e da Copa do Mundo, em que a escolha da cidade-sede estava diretamente associada à aprovação da população local. Ou então no filme Tropa de Elite, em que o herói, Capitão Nascimento, é aplaudido no restaurante após o assassinato no presídio, o que lhe garantiu uma promoção para um cargo superior. Todos a querem, portanto, a opinião pública!

Interessa emoção e adrenalina

Mas tem gente que quer mais do que outros, ou melhor, reúne mais condições de trazê-la a seu favor. A história nos ajuda a entender o por que e tem a ver com o próprio surgimento dos Estados-nação, em meados do século 16. Os Estados emergiram vinculados à defesa de interesses privados, da burguesia ascendente, da propriedade privada, ou, em outros termos, no interesse dos patrões. Basta ver o brasão da Polícia Militar do Rio, em que se veem armas dentro de um cafezal e, abaixo, a coroa para a sua proteção. Estado e burguesia, portanto, no capitalismo, são faces da mesma moeda.

O que se apresenta nas ruas do Rio nas últimas semanas, com a truculência da Polícia Militar, nada mais é do que a comprovação da história do capitalismo. Ou seja, o Estado, representando a burguesia, reprimindo qualquer tipo de expressão que denuncie a exploração que o sistema carrega. Quando acontece a manifestação, atualmente, o que ocorre é a tentativa de construção de algum consenso que conforte os trabalhadores, como o reajuste salarial, mas que certamente não resolverá o problema da exploração do trabalho.

Então, para quem está de olho na história, não é de se espantar o enfoque que a Rede Globo e suas amigas Record, Rede TV e Band dão para a situação dos bombeiros, como sempre fazem quando há alguma greve, entrevistando os motoristas prejudicados pelo aumento de tempo para chegar em casa e negando a voz aos manifestantes. Interessa mostrar o que se aproxime ao máximo dos filmes hollywoodianos – emoção, adrenalina – secundarizando o que há de mais importante: a condição de superexploração que vivem estes trabalhadores, marca fundamental desse sistema, que as famílias Marinho, Santos ou Macedo não têm interesse nenhum que termine.

A maré vermelha tende a crescer

O nosso governador vai além. Referindo-se aos bombeiros como vândalos, prendendo quase 500, implanta uma repressão semelhante à de Washington Luiz, ex-presidente, que na década de 1930 defendia: “Questão social é caso de polícia.” Sérgio Cabral, com isso, pretende claramente deslegitimar as reivindicações dos bombeiros através da sua criminalização, mas tem outra intenção ainda mais abrangente: implantar um clima de medo, produzido por ele próprio – como vimos na invasão pelo Bope ao quartel, em que a truculência não foi iniciada pelos bombeiros – para legitimar o uso da força e manter o vínculo pacífico e virtuoso dos homens de tal maneira que o governo é força soberana. Fazendo isso, Sérgio Cabral quer dizer muito mais: qualquer outra manifestação em prol dos direitos trabalhistas será duramente reprimida e tratada criminalmente, restando aos trabalhadores manter o espírito pacífico, alegre e extrovertido, características “inatas” ao carioca.

No entanto, caro governador, de maneira inédita, parece que a opinião pública, para seu desespero e da família Marinho e companhia, tem tomado posicionamentos diferentes daqueles que a mídia privada quer fazer parecer e demonstra maior entendimento sobre o funcionamento do sistema capitalista que beneficia a burguesia, socorrendo banqueiros nas crises, e superexplora o trabalhador, que sempre paga a conta nas crises. Por isso, companheiros bombeiros, a situação de vocês tem a ver com a condição da maior parte dos trabalhadores brasileiros, e sabendo disso é que devemos nos fortalecer, já que a raiz do problema é a mesma.

E, como diz Saramago, “muitas revoluções já se perderam por excesso de paciência. Nada contra a esperança, mas prefiro a impaciência”. Todo o apoio aos bombeiros! Desliguemos a televisão! Ocupemos as ruas porque a maré vermelha tende a crescer.