Como escritor e jornalista, Carlos Heitor Cony é dos melhores que temos. Algumas atitudes do homem foram decepcionantes, mas ninguém é perfeito. Suas avaliações de assuntos que não o envolvem pessoalmente continuam sendo das mais consistentes. Portanto, devem ser lidas e consideradas. Como a da coluna de terça-feira (19/4), ‘Os plebiscitos’, na qual faz restrições à proposta de um referendum sobre o uso e a venda de armas, contrapondo-lhe um problema em que a consulta aos cidadãos se faz realmente necessária e premente:
‘O governo promete ampliar a energia nuclear concluindo Angra 3 e construindo mais quatro usinas, isso numa época em que países mais industrializados, como a Suécia e a Itália, estão desativando seus programas nucleares. O governo da Alemanha também estuda a possibilidade de reduzir ou acabar com suas usinas.
O investimento é vultoso (pelo menos R$ 8 bilhões cada uma) e os riscos de um acidente como o de Three Mile Island (1979), de Chernobil (1986) e, agora, o de Fukushima, cujos efeitos ainda estão se manifestando, exigem uma consulta popular justamente num país que tem numerosos recursos naturais para gerar energia, como as hidrelétricas, além de opções que a tecnologia vai criando sem cessar, como a eólica, a solar etc.
Tamanha verba poderia ser em parte aplicada num programa para tornar mais seguras as usinas que temos em Angra dos Reis (RJ), onde ainda não há condições de retirada imediata da população.
Um acidente de grande proporção no litoral fluminense colocaria em risco as duas maiores cidades brasileiras, além de causar devastação em várias cidades próximas.
Um plebiscito daria ao governo e à sociedade uma orientação mais democrática sobre o programa de energia nuclear, importante demais para ser da agenda exclusiva de técnicos e funcionários‘ (o grifo é meu).
Jogo de pressões
A mesma preocupação, aliás, já havia sido manifestada pelo maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari:
‘A tragédia sofrida pelo povo japonês deve servir de alerta, estimulando a busca de outras fontes de energia, para atendimento das necessidades básicas das populações do mundo, mas também influindo para que se faça ampla divulgação dos aspectos básicos das opções existentes, informando o povo e dando-lhe a possibilidade de acompanhar as discussões e, mesmo, de participar das decisões sobre o assunto.’ (Ver, neste Observatório, ‘Um problema de todos‘.)
O plebiscito sugerido por Cony daria ao povo, exatamente, ‘a possibilidade de acompanhar as discussões e, mesmo, de participar das decisões sobre o assunto’. Nem preciso dizer que concordo em gênero, número e grau com ambos, Cony e Dallari. Também não preciso dizer que tal proposta encontrará resistência imensamente maior que a do plebiscito sensacionalista sobre as armas por colocar em xeque um programa que pode ser dos mais perigosos para o povo brasileiro, mas propicia vultosos ganhos para grandes empresas, as quais o defenderão com unhas, dentes e o$ argumento$ de $empre.
Nem mesmo as greves de fome de D. Flávio Cappio conseguiram impedir que se desperdiçassem recursos públicos e se atentasse contra a natureza para atender aos interesses do agronegócio na região do rio São Francisco. As cartas de Angra, também embaralhadas a gosto dos interessados, valem R$ 8 bilhões cada. Será necessária uma enorme pressão para desfazer tal jogo.
Com a palavra, os parlamentares que honram o seu mandato, a imprensa e as redes sociais.
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Jornalista e escritor; seu blog