Saiu em qual jornal ou TV o protesto de ambientalistas contra a implantação de usinas de cana-de-açúcar no Pantanal Sul-Mato-Grossense, no centro de Campo Grande, encerrado de forma trágica? Por volta do meio-dia de sábado (12/11), o jornalista e criador da ONG Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul, Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Francelmo, embebeu dois colchões com gasolina, colocou um sobre o outro, formando o desenho de uma cruz, sentou-se no centro e ateou fogo. No domingo, morreu no hospital.
O líder do PT na Assembléia Legislativa, Pedro Teruel, disse na segunda-feira que, se já havia uma tendência ao arquivamento do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), agora isso se tornou inevitável.
A atitude, inédita e drástica, trouxe à superfície nacional uma polêmica entre ambientalistas, prefeitos de 25 municípios do estado e produtores rurais, os últimos ansiosos por alternativas no agronegócio que escapem da dupla soja-boi. Na verdade, a imprensa, que esteve na abertura da manifestação (às 9h), não registrou a tragédia e não interpretou o gesto desesperado de forma a ajudar a entendê-lo. Apenas a imprensa local abordou o assunto, limitando-se os veículos nacionais a pequenas notas.
Vidas atreladas
Para os ambientalistas o motivo para não se permitir a entrada de usinas na Bacia do Alto Paraguai é basicamente o risco de um enorme desastre ambiental, caso haja vazamento de produtos tóxicos, especialmente o vinhoto, derivado da fermentação da cana-de-açúcar.
As águas da maior planície alagada do mundo, Patrimônio da Humanidade, moldam os meios de sobrevivência de plantas, animais e humanos. Vidas atreladas aos ciclos de cheias e secas.
Os rios da região são tão lentos e sinuosos que se uma canoa for solta no norte do Pantanal, em Cáceres (MT), demoraria uns seis meses para chegar, se não houver barreiras, ao Oceano Atlântico. Isso significa menor capacidade de autodepuração, menor capacidade desse ambiente em absorver, sem maiores danos, o impacto de poluentes. Principalmente se comparada à região da Bacia do Rio Paraná (porção leste do estado), alternativa apontada pelos próprios ambientalistas para a instalação dos empreendimentos em função do escoamento turbulento, que gera maior dissolução de oxigênio e maior capacidade de autodepuração.
Diversas abordagens
O emprego servil e degradante no corte de cana também é argumento dos que se opõem às pretensões do governo. É o caso da Usina Debrasa, no município de Brasilândia, a 340 quilômetros de Campo Grande, após vistoria da DRT em setembro. E há ainda os depoimentos coletados na Conferência de Meio Ambiente de Mato Grosso, realizada em Cuiabá, em que os representantes dos municípios com usinas de álcool e açúcar reclamaram da poluição do ar, preto de fuligem, por causa das queimadas das plantações, além do mau cheiro do vinhoto.
Do ponto de vista do agronegócio, outros pontos podem ser abordados. Há uma forte pressão dos prefeitos da região em liberar seus municípios às usinas sucroalcooleiras. Entretanto. Para esses, o tiro que parece certeiro agora pode acertar o pé. Para o entendimento do leitor, a região localizada na Bacia do Alto Paraguai, por questões climáticas e de solo, permite o desenvolvimento de poucas culturas, sendo a pecuária a mais comum. Por outro lado, técnicos da Confederação Nacional da Agricultura classificam a área perfeita para cana-de-açúcar e afirmam que as novas tecnologias podem garantir, de forma precisa, a segurança ambiental.
Com isso, a imprensa pode escolher entre diversas abordagens. Primeiro, qual é o preparo técnico dos municípios para que recebam as usinas e desenvolvam de maneira responsável a cultura da cana em região pantaneira? Que linhas de crédito serão criadas para subsidiar essa estrutura para os produtores? É possível ainda questionar o preparo técnico e de gestão (aptidão) desses produtores para o desenvolvimento da atividade. Segundo os defensores das usinas, para se ter baixo impacto no ambiente é necessária tecnologia, e o mercado e a cultura sucroalcooleiro são bem mais sofisticados que o do boi.
Firmeza de propósitos
Essas questões são pertinentes para que os fazendeiros da região não se tornem ‘empregados’ de usinas, como acontece com os produtores de frango de corte em relação aos frigoríficos de aves. Além disso, não há um planejamento de desenvolvimento concreto para a região, que aproveite suas características de forma sustentável, nem mesmo com a cana-de-açúcar.
Mas a abordagem da imprensa tem sido mostrar quem é a favor ou contra as usinas, enquanto deveria mostrar as situações de desenvolvimento viáveis para a região, que contemplem a preservação do patrimônio de MS, o ambiente e os atores aí inseridos, inclusive o homem.
O ambientalista Francisco Anselmo de Barros teve 100% do corpo queimado. Mas parece ter sido vitimado por algum tipo de pudor ou censura da imprensa. Foi chamado por muitos de louco por atear fogo ao corpo, mas poucos tinham tamanha firmeza e perseverança de propósitos. De quantos políticos ou jornalistas se pode afirmar o mesmo?
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O primeiro, jornalista do Canal do Boi e (www.agronoticiasms.com.br), mestrando em Gestão Agroindustrial; o segundo, jornalista da Fundação Luis Chagas de Rádio e Televisão Educativa