O recente desfecho de um conflito interno numa revista brasileira, que resultou no afastamento de um diretor de redação que recebeu, por fora, metade da comissão do representante comercial que levantou a publicidade de uma edição especial, revela os limites de certas práticas condenáveis da imprensa, comuns não só no Brasil. Cobrar de governo ou conjunto deles, de empresas ou conjunto delas, por edições especiais de temas específicos, recheadas de matérias badalativas e nada jornalísticas, na realidade peças publicitárias apresentadas como reportagens, é comumente aceito desde que os recursos sejam destinados a reforçar o caixa dos patrões. Que podem ser até generosos e pagar um extra aos jornalistas que aceitaram realizar as pautas encomendadas e restritas aos objetivos propostos, agradar aos anunciantes e tomar suas verbas publicitárias. Mas não aceitam que eles tenham participação nessa receita comercial.
No caso da revista em questão, o diretor de redação fez um acordo ‘por fora’ com o representante comercial e embolsou a metade da comissão dele, estimada em cerca de R$ 2,5 milhões. Foi sumariamente demitido. O profissional pode se vender ao patrão, esquecendo princípios elementares do jornalismo para entregar ao público um material parcial, enganador, verdadeiros releases camuflados de reportagem. Mas deve se contentar em receber seu salário ou o que o patrão quiser lhe dar pela dissimulação.
A prática não é exclusiva da imprensa brasileira. Uma revista francesa, a Paris Match, acaba de lançar uma edição especial do gênero, a Match du Monde, recheada de reportagens favoráveis ao país patrocinador que, é claro, só poderia ser o Brasil. Lá se descobre que temos grandes músicos, personalidades reconhecidas mundialmente, como o arquiteto Oscar Niemeyer, o fotógrafo Sebastião Salgado e a modelo Gisele Bündchen, uma juventude dedicada ao culto do corpo e, para não dizer que só falaram de flores, deram duas páginas às favelas. Verbas publicitárias de governos e empresas brasileiras pagaram pela publicação que tem de jornalística apenas o formato.
Essas práticas nas redações é que levam muitos assessores de imprensa, aliás, a se considerarem jornalistas e defenderem que suas redações se assemelham em tudo às dos veículos de comunicação de massa. Segundo eles, os textos dos jornalistas, como os deles que dependem da aprovação dos clientes, são submetidos à vontade dos patrões que atentam tão somente a seus interesses comerciais. Jornalismo isento e voltado para o leitor seria mera utopia, uma ilusão de veteranos desajustados e retrógrados incapazes de entender as evoluções da modernidade.
Quesito básico
Enfim, a corrupção da imprensa seria generalizada na concepção desses assessores de imprensa que reivindicam o título de jornalistas. Se os patrões podem direcionar as matérias para atender aos anunciantes, por que os jornalistas não poderiam fazer a mesma coisa?
Uma projeção dessa concepção permite a antevisão de repórteres saindo às ruas com o bloco de anotações numa das mãos e o de notas fiscais na outra. O entrevistado interessado em aparecer na matéria poderia, assim, fazer o cheque e receber o comprovante do pagamento na hora. Quem pudesse pagar, teria voz.
Os outros, bem, poderiam ganhar algum pequeno espaço, como as favelas na edição da publicação francesa, só para dar mais autenticidade ao restante do material.Nesse contexto, a demissão do diretor de redação não teria mais sentido. Afinal, ele não causou nenhum prejuízo ao patrão, apenas ao representante comercial, que abriu mão de uma parte de sua comissão. Como condenar, então, os milhares de jornalistas com baixos salários que se vendem a assessorias de governos, partidos, empresas ou indivíduos, acumulando funções?
A súmula do TST estabelecendo que assessor de imprensa não é jornalista cairia totalmente por terra. Iludir os leitores oferecendo material publicitário em forma de texto jornalístico deixaria de ser algo condenável para se estabelecer, mesmo, como quesito básico do exercício da profissão. Quem não for corrupto que não se estabeleça.
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Jornalista